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Terapia online: quando o sofá de casa vira divã

Pandemia aumentou a necessidade de apoio psicológico; tecnologia possibilitou o cuidado com a saúde mental a distância

A publicitária Mayara Sena, de 23 anos, tirou recentemente um sonho antigo do papel. Há pouco mais de um mês, ela começou a se consultar semanalmente com uma psicóloga. O consultório não poderia ser mais perto: dentro da própria casa. Por conta dos riscos da pandemia do novo coronavírus, ela optou pela terapia online, disponibilizada por uma plataforma especializada.

«Como nunca havia feito terapia antes, não tenho como comparar o presencial e o online, mas o que eu posso dizer é: tem me ajudado muito», afirma Mayara.

O dispositivo escolhido foi o smartphone. Por um lado, a praticidade é imensa. Mas, nem tudo são flores. «Às vezes falta bateria e eu tenho que correr para poder carregar meu celular. Devido à tecnologia do meu aparelho, não consigo usar fone e carregá-lo ao mesmo tempo. Por isso, constantemente ocorre interferência no áudio. Estou me adaptando a essas situações.»

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Apesar de reconhecer o bem que o processo terapêutico tem feito, a publicitária afirma que, se pudesse, optaria pelas consultas presencias. «Acredito que a experiência deva ser outra. A troca de energia, o profissional vendo os movimentos do seu corpo… tudo isso é diferente», aponta.

Mayara mora com os pais e com o irmão. A presença dos familiares em casa, em alguns momentos, acaba tirando sua privacidade. «Não consigo me abrir da melhor forma possível, porque fico receosa de falar e outras pessoas ouvirem», diz. «Hoje a minha casa é onde eu trabalho, moro, descanso e ainda é meu local de cura. Acho muita coisa», completa a jovem.

Já Mariana Pedrosa, de 32 anos, vive uma realidade distinta. A gerente de projetos mora sozinha e tem total liberdade para fazer de seu sofá seu divã a hora que bem entender. «A minha casa é meu ambiente de conforto e acredito que me abro mais justamente por estar nela e não em um consultório. Encho minha garrafa d’água, pego meus lenços, vou para a minha sala e ali me sinto muito à vontade», afirma.

Mariana diz enxergar bem mais vantagens no formato virtual do que no presencial, apesar de nunca ter tido a segunda experiência. «Não me sinto nem um pouco lesada, muito pelo contrário – me sinto privilegiada. O remoto é muito prático, pois não preciso me deslocar. Jamais conseguiria estar no consultório no horário da minha sessão. Há dias em que termino a conversa e volto a trabalhar. Organizo a minha agenda e, em três meses de tratamento, só precisei desmarcar uma única vez.»

O primeiro contato da gerente com a terapia foi por meio de uma plataforma como a usada por Mayara. «Testei várias linhas de tratamento até encontrar a que mais se encaixava no meu perfil. O serviço com certeza me ajudou a entender o que eu estava procurando», diz Mariana, que hoje faz acompanhamento com uma profissional de seu convênio.

Democratização da psicologia

É inegável que a pandemia aumentou exponencialmente a necessidade de apoio psicológico. Medo, angústia, tristeza e ansiedade foram e ainda são queixas recorrentes relacionadas ao período. Mas, se por um lado, a demanda aumentou, por outro, as possibilidades de tratamento se tornaram mais acessíveis no modelo remoto. Nesse contexto, plataformas tais como as citadas por Mayara e Mariana ganharam espaço.

O Zenklub, por exemplo, oferece sessões que duram 50 minutos e custam a partir de R$ 60. «Esse valor é 175% menor do que a média cobrada em São Paulo, porque não há embutido o custo de um consultório, água, luz etc», explica José Simões, cofundador da empresa.

A inciativa foi lançada em 2016. Hoje o site conta com psicólogos, psicanalistas, coaches e terapeutas. Qualquer pessoa pode acessá-lo, selecionar o profissional desejado utilizando palavras-chaves ou um dos filtros disponíveis, agendar a sessão ou realizá-la na hora, tanto pelo celular como pelo computador.

A comparação entre 2019 e 2020 revela que o objetivo de democratização da psicologia parece ter sido alcançado: o número de clientes aumentou 515% e as sessões tiveram alta de 692%. Para se ter uma ideia, hoje são realizadas 50 mil sessões por mês.

«O Zenklub tem ajudado a cuidar da saúde mental dos brasileiros. Nos depoimentos que os clientes nos deixam, eles comentam o quanto o atendimento os auxilia a lidar com o isolamento social, questões de relacionamentos amorosos e familiares, problemas como ansiedade e depressão, entre muitos outros», diz Simões.

Outro serviço que tem deixado a psicologia mais prática e acessível é o Eurekka. Há cerca de dois anos, a hub de startups e scale-ups focada em saúde e bem-estar oferece sessões online nas linhas comportamental e contextual. Além disso, se propõe a disseminar conteúdos relevantes nas redes sociais e oferece capacitação profissional.

Em 2021, a plataforma atingiu 3 mil consultas por mês. Quem se interessa passa por uma conversa inicial com um profissional que scanneia a demanda principal, coleta dados básicos, detecta comportamentos e riscos e entende suas preferências: ser atendido por homem ou mulher, por uma pessoa mais nova ou mais velha, entre outros fatores. Só então é feito o encaminhamento.

Na opinião de Lucas Paulo Rigoni, professor de pós-graduação na Eurekka, a terapia online veio para ficar. Para ele, alguns mitos foram derrubados, principalmente com a pandemia, como a ideia da impossibilidade de criação do vínculo entre paciente e profissional. «O fato é que as pessoas continuam contando suas histórias e dores. Por nove anos trabalhei presencialmente e confesso que cheguei a ter receio do remoto. Me questionava como seria não ver a linguagem corporal do outro, por exemplo. No fim, me surpreendi muito. Os pacientes confiam na gente, têm nosso WhatsApp, se sentem até mais próximos.»

Mas afinal, terapia online funciona?

De maneira geral é possível dizer que sim, terapia online funciona. É importante, porém, ter em mente que nada no mundo impacta todas as pessoas da mesma forma, já que cada ser humano é único.

Ana Sandra Fernandes, presidente do Conselho Federal de Psicologia, afirma que em sua prática clínica tem observado os bons resultados das sessões remotas, mas ressalta casos em que a modalidade presencial ainda é a favorita. «Por conta da situação atual, precisamos nos adaptar. Para alguns, funcionou bem. Já para outros, assim que foi possível flexibilizar, houve o pedido para o retorno ao consultório Muitas pessoas não têm um espaço tranquilo e sigiloso em casa e, por isso, preferem voltar ao lugar que lhes é seguro.»

Para a psicóloga, é totalmente possível que terapeuta e paciente criem laços no ambiente digital. «Quem começa a fazer terapia online pode ter mais facilidade para seguir nesse modelo do que aquele que fazia presencialmente e migrou para o online na pandemia. Mas isso é muito subjetivo. Reforço: cada caso é um caso.»

Números e dicas

Ana Sandra explica que, em 2018 – quando a psicoterapia online foi liberada aos profissionais que obtinham autorização do conselho – 30 mil profissionais atendiam por telas. Em 2020, esse número saltou para 100 mil. Com a pandemia, todos os profissionais, à princípio, estão liberados a trabalhar online. As autorizações vão sendo dadas pouco a pouco na sequência.

Para receber o aval para realizar o atendimento online, o profissional deve informar ao Conselho Federal de Psicologia uma série de questões detalhadas, como que plataforma utiliza, quais adaptações teóricas promove etc. E o mais bacana: todo cidadão que desejar pode ter acesso à lista de psicólogos autorizados no site e-Psi.

A presidente do conselho vê a popularização de plataformas com bons olhos, mas alerta para a necessidade de se certificar de quem é o profissional por trás da tela. «O paciente não vai ser atendido por site, e sim por um psicólogo. Por isso, é importante avaliar quem é aquela pessoa e se ela está inscrita no conselho de classe. A saúde mental é de extrema importância e precisamos cuidar para não deixá-la em mãos equivocadas», finaliza Ana Sandra.

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