Foco

Em pandemia, estudantes da USP têm dificuldades para acessar aulas online

O Crusp, conjunto residencial da USP Divulgação/USP

*alguns nomes foram alterados para preservar a identidade dos estudantes

ANÚNCIO

Em meio à pandemia de covid-19, estudantes da USP (Universidade de São Paulo) enfrentam problemas para ter acesso às aulas. Com o EAD (Ensino à Distância), nem todos os alunos conseguem seguir o curso, seja por falta de computador e internet adequada, ou por questões emocionais.

A situação é ainda mais complicada para quem mora no Crusp, o Conjunto Residencial da USP, que abriga 1,6 mil estudantes de baixa renda. De acordo com a universidade, a Superintendência de Assistência Social testou todos os moradores em março e registrou cinco casos confirmados de covid-19 no local.

«Esses moradores são acompanhados direta e pessoalmente por um enfermeiro que, desde o primeiro momento, faz contato diário com todos eles. Alguns deles já passaram pelos 14 dias de quarentena. Durante o isolamento, recebem alimentação em domicílio», informou a USP, em nota. A universidade afirma ainda que foram entregues máscaras a todos os moradores e que os cinco que testaram positivo para o coronavírus foram orientados a usá-las sempre que precisassem sair dos apartamentos.

Os estudantes, no entanto, afirmam que alguns moradores ligados a cursos de biológicas uniram-se para colher dados e que, com a testagem feita pela universidade, foram 10 casos confirmados no alojamento. De acordo com a USP, dos 1,6 mil alunos, apenas 400 continuam morando no local durante a quarentena e têm à sua disposição café, almoço e jantar, entregues em marmitas descartáveis.

Diego Gonçalves, estudante de ciências sociais na universidade, é um dos moradores que saíram do conjunto residencial durante a quarentena. «Estou na casa da minha namorada. Logo no começo, a coisa estava muito incerta no Crusp. Não sabíamos se ia continuar tendo comida ou não e, na moradia, nem cozinha tem.» O estudante afirma que a maioria dos moradores saiu pelas condições de moradia, mas principalmente pelo excesso de pessoas, o que facilita o contágio da doença.

Lucas Cacciaguerra, morador do Crusp e estudante de física na universidade, diz que a USP continua fornecendo refeições a eles através do bandejão (restaurante universitário), no entanto, recusa-se e explorar alternativas de atendimentos que reduziriam o risco dos estudantes e trabalhadores. «As pessoas que testaram positivo são orientadas a ficarem isoladas, mas tem que romper o isolamento e descer até o térreo para pegar comida. Estamos nos articulando para entregar na porta dessas pessoas com a devida segurança», relata.

ANÚNCIO

Segundo um levantamento feito pela Frente Universitária de Combate à Covid-19, 35,4% dos moradores do conjunto residencial dependem do restaurante universitário e 30,5% de doações. Além disso, 89,5% dos moradores do Crusp não tem plano de saúde e 75,6% não tem apoio familiar para continuar estudando.

Estrutura

Os estudantes afirmam que falta manutenção adequada no Crusp, tanto dos apartamentos individuais, quanto das áreas coletivas como cozinhas e lavanderias. «Com a pandemia tudo isso agravou-se num nível impressionante», conta Cacciaguerra.

De acordo com o levantamento da frente universitária, apenas 12,3% relataram ausência de problemas de infraestrutura na moradia. 43% dos moradores denunciam problemas de pragas e fungos e 9,22% veem problemas no fornecimento de água. Além disso, 97% dos entrevistados tem dificuldades no acesso à internet.

«Estamos com cerca de 25% das cozinhas funcionando, algumas por iniciativa de moradores, com auxílio da associação de moradores. Tem bloco com três e com seis cozinhas, mas a maioria está com falta de manutenção completa faz anos e fecharam até o gás. Nenhuma máquina de lavar ou secadora está funcionando.» Cacciaguerra também reclama da falta de segurança. «Direto tem furto de bike e até de torneiras.»

Já Gonçalves reclama das infiltrações e má condição nos apartamentos. «Logo no começo da quarentena, estavam trocando encanamento e o bloco F ficou mais de uma semana sem água.» Em abril, alguns alunos chegaram a arrecadar alimentos e produtos de limpeza para distribuir aos que moram no Crusp.

Em nota, a USP informou que existe um projeto para reforma das dependências do conjunto residencial, que será levado adiante «assim que as atividades forem retomadas».

Estudantes contra o EAD

Apesar da autorização do Ministério da Educação, muitas universidades públicas resolveram não adotar o ensino à distância. Das 69 instituições federais, apenas 6 estão seguindo remotamente. A USP é mantida pelo governo estadual e optou por continuar as aulas online. No entanto, recebe protestos e reclamações dos estudantes.

Luiza*, estudante de Letras na universidade, destaca que os estudantes apresentam uma diversidade socioeconômica bem expressiva. «Existem alunos que têm estrutura material e emocional para ter aulas à distância durante o tempo que for preciso, mas também existem alunos que não têm nem acesso à internet; não têm computador/notebook; não têm estrutura para acompanhar as aulas da forma como estão acontecendo.»

«Os professores estão fazendo seu máximo de tentar disponibilizar as aulas teóricas, mas nem todos tem acesso», diz Guilherme Bumerad, estudante de química. «Isso contraria o conceito de universidade pública, pois não leva em consideração aqueles que não possuem acesso à internet e tem somente o ambiente universitário como acesso.»

Diego Gonçalves, um dos estudantes que deixou o Crusp durante a quarentena, também enfrenta= problemas para acessar as aulas online. Com o HD do computador danificado, teve que emprestar um notebook que acaba servindo só para leitura dos textos, pois não consegue baixar o programa para assistir às aulas. «Além de eu não estar na minha casa, não tem um espaço onde eu possa sentar pra estudar», afirma.

A universidade afirma que adquiriu 2.250 kits de internet para beneficiar esses alunos, compostos de um chip para celular ou um modem portátil de 20 GB e mínimo de 100 horas-aulas por mês. No Crusp, 398 estudantes receberam o equipamento.

Felipe*, estudante de Artes Cênicas, também deixou o Crusp por medo da exposição ao coronavírus e diz não conseguir acessar as aulas. «Peguei um computador emprestado com um professor, mas não funciona. Os chips de internet, quando eu perguntei na ECA (Escola de Comunicação e Artes), ninguém sabia nada», relata. «A USP não considera o problema de falta de aparelho adequado. Eu estou sem acesso e perdendo essas aulas, provavelmente vou ter que trancar pelo menos uma matéria. Pensei até em usar meu auxílio para comprar um celular novo, mas vai tudo para a comida mesmo.»

No Facebook, os estudantes criaram a página «USP Contra o EaD», que reúne relatos anônimos. Na maioria deles, é dito que o aluno em questão, por conta da pandemia, precisa se atentar a outros afazeres durante a pandemia ou não tem um lugar adequado para assistir às aulas.

«Me considero privilegiado, pois tenho acesso à internet e um computador. Porém não tenho um espaço para estudar pois meu pai também está trabalhando em casa. Estou trocando o dia pela noite, estudo na madrugada. Existem relatos de pessoas que têm dificuldade de concentração simplesmente por não terem um ambiente para estudar em nenhum horário», conta Eduardo*, estudante de oceanografia.

Muitas reclamações também giram em torno dos cursos mais práticos, que têm viagens de campo e aulas de laboratório prejudicadas, como o de oceanografia. «Os primeiros anos tem uma vasta quantidade de laboratórios e viagens que são fundamentais para o entendimento do conteúdo como um todo. Não conseguimos saber quais os pontos negativos de uma suspensão de semestre e se são realmente graves a ponto de se nem cogitar essa ideia», completa Eduardo.

Na opinião de Guilherme Bumerad, a USP não foi feita para o ensino à distância. «Lembro que em minhas primeiras aulas de laboratório, meu professor comentou que nós tínhamos visto com nossos próprios olhos o motivo de um curso de química não poder ser EAD. Hoje estou cursando um», diz. «Os professores, apesar de tudo o que está acontecendo, estão nos ajudando no que podem. A minha insatisfação fica para com a reitoria e essa impressão de que está tudo bem na USP», completa.

Em nota, a universidade informou que, conforme deliberado pela pró-reitoria, as aulas práticas dos cursos deverão ser repostas posteriormente.


*Com supervisão de Luccas Balacci.

ANÚNCIO

Tags


Últimas Notícias