Esporte

Política pode motivar protestos de atletas, mas há ameaça de punição

Às vésperas dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, cuja cerimônia de abertura acontece no dia 5 de agosto, o Brasil vive um momento de efervescência política e social. Afastamento da presidente Dilma Rousseff, Michel Temer empossado como interino, políticos envolvidos em denúncias de corrupção, investigações da Operação Lava Jato, gravações vazadas, caso de estupro coletivo – não faltam temas que motivem o povo a tomar as ruas e inundar as redes sociais com manifestações.

É até natural que manifestantes cogitem utilizar os holofotes que a Olimpíada traz para reivindicar suas causas. Mas e se um atleta olímpico resolvesse aproveitar a disputa dos Jogos para, por exemplo, apoiar publicamente o retorno de Dilma? Ou se subisse ao pódio e se posicionasse a favor do impeachment? Certamente seu recado seria ouvido, mas isso também poderia significar o fim de sua carreira olímpica.

O Estatuto Olímpico, criado pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) e datado de fevereiro de 2015, é claro: “Nenhum tipo de manifestação ou propaganda política, religiosa ou racial é permitido nos locais olímpicos ou em outras áreas”, diz o artigo 50 do documento. Por meio de sua assessoria de imprensa, o COI explicou ao Portal da Band que a regra tem o objetivo de “separar o esporte da política, honrar o contexto dos Jogos Olímpicos e garantir a reunião pacífica de atletas, árbitros e espectadores de diferentes culturas, crenças e passados”.

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Apesar de recriminar as manifestações, a entidade não faz objeções a alguns casos, como declarações feitas em entrevistas. No Estatuto Olímpico também não há punições estabelecidas para cada tipo de caso. “Se soubéssemos de uma possível quebra da regra 50, nós trataríamos cada caso individualmente e teríamos uma abordagem sensata dependendo do que foi dito ou feito”, justificou o COI.

Panteras Negras

Os norte-americanos Tommie Smith e John Carlos sabem como um protesto olímpico pode acabar nas mãos do COI. Em 1968, ano do assassinato de Martin Luther King e de ebulição social nos Estados Unidos por causa da luta pelos direitos civis dos negros, a dupla ficou famosa ao redor do mundo por utilizar o pódio dos Jogos da Cidade do México para defender a causa dos afro-americanos. Após os 200m rasos, Smith e Carlos, ouro e bronze na prova, respectivamente, levantaram o punho cerrado, com luvas, em alusão ao símbolo dos Panteras Negras, grupo revolucionário dos EUA, e só de meias.

 

Relembre o protesto de Tommie Smith e John Carlos em 1968

A reação do COI foi imediata: Smith e Carlos foram suspensos da delegação norte-americana e expulsos da Vila Olímpica. Depois, ao retornarem aos EUA, eles ainda foram alvos de protestos e seus familiares receberam ameaças de morte. Nenhum dos dois voltou a participar das Olimpíadas após o ocorrido.

No entanto, comentarista esportivo Fábio Piperno, que no próximo dia 14 lança o livro “Jogada Política no Esporte” (saiba mais), destacou que o COI teve uma postura diferente em um caso similar ao de Smith e Carlos que aconteceu no dia seguinte ao protesto da dupla.

“Em 1968, Lee Evans ganhou os 400m. O pódio foi completado por outros dois americanos, Larry James e Ron Freeman. Em solidariedade aos dois punidos, eles subiram ao pódio usando boinas similares às dos militantes dos Panteras Negras. Como os americanos ficariam sem ter como montar uma equipe para o revezamento, e como os outros dois, o Tommie Smith e o John Carlos, já haviam sido punidos, o Comitê dos EUA apelou ao presidente do COI para que, no caso desses três, a punição fosse amenizada. Em vez de excluir, eles receberiam uma advertência para que os americanos não ficassem sem equipe para os 4x400m. E os EUA venceram o ouro naquela prova”, relembrou Piperno.

Quatro anos depois, em Munique, na Alemanha, velocistas norte-americanos voltaram a se manifestar no pódio. No entanto, daquela vez não houve condescendência por parte do COI. O episódio aconteceu após a prova de 400 metros, que teve dobradinha dos EUA no pódio com Vincent Matthews e Wayne Collett.

“Em 1972, também em solidariedade aos companheiros de antes, novamente atletas americanos se manifestaram no pódio. Em vez de fazer aquele gestual todo, Matthews e Collett entraram só de meia, sem o tênis, sem o uniforme completo. No momento em que se tocava o hino americano, eles ficaram conversando no pódio para tirar uma onda. Eles foram banidos dos Jogos e os EUA não conseguiram competir o revezamento 4×400 por falta de atletas”, detalhou Piperno.

Matthews e Collett ignoram hino dos EUA no pódio

Brasileiros sem engajamento

E neste ano, no Rio, será que o Brasil terá o seu Tommie Smith ou o seu John Carlos? Embora não faltem motivos para protestos, o mais provável, segundo Fábio Piperno, é que não aconteça. O comentarista aponta que nenhum atleta olímpico brasileiro é militante de alguma causa, diferentemente daqueles atletas norte-americanos das décadas de 1960 e 70, fortemente ligados ao movimento por direitos dos negros. No entanto, se tivesse que apostar em alguém que pudesse se posicionar politicamente durante os Jogos, o comentarista apontou dois nomes.

“Eu não espero grandes manifestações políticas de atletas brasileiros porque, pelo menos desse grupo que vai disputar a Olimpíada, eu não conheço nada no histórico deles que aponte para isso. A exceção é o caso da nadadora Joanna Maranhão, que já fez várias críticas a dirigentes esportivos e também é uma pessoa que está sempre opinando sobre temas políticos. Não me surpreenderia se ela fizesse algum tipo de manifestação. E também há o (nadador) Thiago Pereira. É um atleta que eu nunca vi se manifestar, a não ser essa manifestação de muita simpatia à presidente Dilma no dia do início do revezamento da tocha. Eu acho que se ele for perguntado sobre esse tema (do impeachment), também não me surpreenderia se ele desse opiniões fortes”, opinou Piperno. Ainda assim, em um mundo com guerra na Síria e crise econômica em vários países, o cenário está montado para manifestações de atletas estrangeiros.

Procurado pela reportagem do Portal da Band para comentar sobre possíveis atos políticos por parte de atletas, o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) disse apenas que a questão é de responsabilidade do COI.

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