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VAE e ética

Já perdi as contas de quantas vezes presenciei, em estádios, torcidas entoando “vergonha” contra a arbitragem sem a menor certeza de nada, deixando no ar uma falsa narrativa de vitimização. Basicamente todas sempre fizeram isso. A Premier League passou a adotar o VAR nesta temporada, e com ele, o procedimento de informar ao público a respeito das revisões realizadas. A partir do momento em que o árbitro de vídeo é utilizado, sou favorável a este sistema, à maximização da transparência em tudo o que concerne à arbitragem. Só fica o alerta: no futebol brasileiro, a ética costuma ser especialmente interessada. Para torcedores, dirigentes… Não há cautela, preocupação considerável com a honestidade intelectual. E nem me refiro aos movimentos mais conscientes. Não se defende algo porque há motivos; se “elabora” as razões em função do querer, dos impulsos irracionais – que chegam antes da argumentação. “Meu time” quase sempre é o prejudicado. “Confia-se” em conspiração, ao menos em equívoco grave sem ínfima qualificação no embasamento, parcimônia. Quando se grita “vergonha”, invariavelmente não há mínima dose de solidez no que levou à formação da opinião, mas as pessoas soltam a voz, agem genuinamente “acreditando” naquilo. Histeria coletiva, efeito manada, comportamento de multidões…

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Fico imaginando, neste cenário, um telão mostrando, por nossas bandas, um lance de contato leve, sei lá, de um zagueiro adversário no atacante “da casa”, num escanteio; pode ter sido um carinho dos mais suaves do mundo; pode ser um lance dificílimo, daqueles que deixariam qualquer um, em sã consciência, na dúvida. Na maior parte das situações, tenham certeza, não importará: o burburinho nas arenas será como se tivéssemos diante de um absurdo completo, das mais inquestionáveis das jogadas. A pressão no árbitro será gigantesca. E ele terá de aguentar. Será uma nova faceta, um novo aspecto para afetar o psicológico daquele que toma as decisões.

Talvez justamente pelo fato de o futebol tupiniquim ser particularmente tão tomado pela irracionalidade, pela preocupação com o tribunal das massas, no Brasil, permaneço com a sensação de que o VAR, ao invés de gerar segurança, trouxe um novo – e maior – medo aos assopradores de campo: o de a opinião pública e a imprensa os estraçalharem por um deslize COM  o VAR. A hesitação, a demora em lances objetivos, em patamares bem acima da média que temos na Europa, por exemplo, são sintomas disso.

Na rodada do Brasileiro diferentes cartolas saíram reclamando das arbitragens. Alguns com razão, outros não. Cada um preocupado com o seu e nada mais. Boa parte dos torcedores endossando discursos que pareçam “firmes” e até cobrando, digamos, mais veemência. A discussão feita pelos personagens dos clubes nunca é pelo bem do jogo. A preocupação nunca é a de melhorar o esporte. Não há uma migalha de um pudor típico do que poderíamos chamar de jogo de cavalheiros. No futebol, a irracionalidade é institucionalizada, fomentada.

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