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Eu mando nudes. Você, também

rubem-penzAinda que poucas pessoas imaginem o volume do meu peitoral, saibam se a região é lisa ou coberta por pelos, proporcional ou não, estou sempre a mandar nudes. Isso porque escrevo de peito aberto o que penso e, depois de exposto o raciocínio, camadas muito mais profundas do que a epiderme estarão ofertadas ao julgamento (quando não à condenação) do público.

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Apesar de quase ninguém saber se meu umbigo é saltadinho, raso ou fundo, quão delgada é minha cintura e o quanto isso molda minha personalidade, estou sempre a mandar nudes. Afinal, componho textos sobre meus valores e, depois de explícita minha escala, consideráveis parcelas dos meus contornos são entregues à apreciação do incógnito leitor.

Mesmo com a certeza de que minhas nádegas seguem protegidas até mesmo da visada do sol, resguardando a cor primeira, estou sempre a mandar nudes. Simplesmente porque me descrevo e, nas armadilhas das palavras, oferto sentimentos. O que passa no coração dos homens, isso sim, cria flancos desguarnecidos para que nos cobicem.

Apesar de raríssimas pessoas haverem conferido minha virilidade para, de algum modo, auferir seu porte, estou sempre a mandar nudes. Pela singela razão de me colocar e, assim, inadvertidamente, terminar revelando minha intimidade. E este exercício de se despir dos véus também pode atingir pernas, costas, ombros. Pés. Tudo através de quem dá vistas.

E você, o que tem com isso?

Simples: desde que o verbo migrou das conversas e das cartas, as quais guardavam alguma chance de privacidade, passando a ser publicado, você manda nudes. Plataformas interativas, canais de comunicação, box de comentários, redes sociais… Poucos, lúcidos, deram-se conta do grau de invasão permitido por tais recursos. Raros se compõem diante das janelas.

Corpos de homens e mulheres, ainda que alvos da eterna curiosidade voyeur, esgotam muito rapidamente o interesse – são lenha fina na eterna fogueira da vaidade. Quanto mais vistos, menos despertam curiosidade, interesse, desejo. Nosso retrato claramente nu se mostra nas palavras. Nelas estarão nossas virtudes, defeitos, fragilidades. Com orações, chocamos ou enternecemos, somos castos ou pornográficos. Charmosos, repulsivos, insossos.

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Eu mando nudes. Aqui estou, como de praxe, desvendado. Você, também. Esteja seguro disso. Agora mesmo pode ter alguém apontando algo seu mais reservado sem que você sequer desconfie. Despido numa tela, veja só.

Rubem Penz é escritor, músico, publicitário, baterista e compositor. Autor de “Enquanto Tempo” e coordenador da oficina literária Santa Sede crônicas de botequim. Seu site é rubempenz.net

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