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Discurso x prática

Cadu Doné Colunistas twitterSão raros, no Brasil, os meio-campistas na acepção que Tostão gosta de utilizar (algo que se tornou verdadeiramente comum na Europa somente com a tendência em transformar armadores em “volantes”, o que acabou criando uma espécie de híbrido bem benéfico ao futebol). Em terras tupiniquins, permanece aquela divisão engessada entre volantes e meias. Isso se atrela tanto ao excesso do 4-2-3-1 – e à escassez de um 4-3-3 na linha que vemos hoje com recorrência na Europa –, quanto à carência de times que controlam o jogo e sabem jogar com a posse. Afinal, a figura desse meio-campista mencionado – passador, técnico, clássico, inteligente, ocupador de espaços, controlador, dono daquele ar absoluto nas ações – e também para as versões europeias típicas atuais do 4-3-3.

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Aqui ainda vigora a tendência oposta: a de adiantar volantes habilidosos, e não a de recuar meias. Fala-se (com razão) que é mais fácil fazer um jogador técnico, habilidoso, aprender a marcar, do que um “brucutu”, um “cumpridor”, um burocrata a criar, fazer o diferente. Porém, apesar do sucesso da frase, na prática, em muitos aspectos, enxergamos os treinadores brasileiros tomando decisões que denotam exatamente o contrário, uma visão oposta de futebol. Dois exemplos: as situações dos volantes habilidosos que passam a ser meias (e os casos escassos de meias que são ensinados a marcar para virarem volantes e o time ter, no setor mais defensivo, o acréscimo de uma peça mais habilidosa, qualificada); a maneira como, em nome da recomposição dos homens de lado, muitas vezes os técnicos deixam as escalações menos talentosas ao invés de simplesmente ensinarem, insistirem para os pontas mais habilidosos aprenderem, se conscientizarem da importância de recompor – nesse campo podemos ver também muitas inversões de valores, quando uma peça essencialmente ofensiva é julgada muito mais por causa de algo acessório, complementar para sua função (marcar, recompor), do que por aquilo que deveria estar na essência dela (criar, driblar, atacar).

Outro ponto em que podemos vislumbrar incompatibilidade entre discurso e prática no Brasil: fala-se sempre que, também aqui, a preparação física se esmerou bastante, e que, em função disso, o fôlego, a resistência, e a explosão dos atletas interferem cada vez mais nas partidas. Vá lá: tem-se sim, aí, alta dose de verdade. Mas continuamos vendo poucos times no Brasileirão com estratégia tática atrelada a uma obstinação física acachapante. Algo visto, por exemplo, no seu ápice, no Borussia de Klopp e no Atlético de Simeone, em temporadas recentes – essa intensidade, essa entrega, porém, em graus menores aos demonstrados nos dois cases assinalados (e ainda assim, bem superiores aos vistos no Brasil), são bem comuns mesmo em times pequenos e médios do Velho Continente.

Cadu Doné é comentarista esportivo da rádio Itatiaia e da TV Band Minas, filósofo e escritor. Escreve no Metro Jornal de Belo Horizonte

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