A transferência de presídios paulistas para presídios federais de 22 integrantes do PCC (Primeiro Comando da Capital), entre eles o principal líder, Marcos Herbas Camacho, o Marcola, realizada semana passada, é uma das medidas mais duras já tomadas contra a facção, segundo o doutor em ciência política Bruno Paes Manso. Pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP (Universidade de São Paulo) e coautor do livro “A Guerra: a Ascensão do PCC e o Mundo do Crime no Brasil”, o especialista afirmou que a medida, porém, é de “pronto-socorro” e precisa vir acompanhada de outras ações para atacar, de fato, a estrutura da facção, que está em plena expansão.
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Qual o significado da transferência dos líderes?
A transferência é um importante divisor de águas porque desde 2006 não se tinha medida tão dura contra a cúpula da facção. Em maio daquele ano, depois dos ataques do PCC [após a transferência de líderes para penitenciária estadual de segurança máxima], se definiu uma estratégia de concentrar as lideranças no mesmo presídio, em Presidente Venceslau, e foi nesse período que o PCC mais cresceu.
Por um lado, não estava dando certo, já que foi neste momento em que o PCC foi para as fronteiras da América do Sul, passou a distribuir drogas para outros estados e se estruturou economicamente. Por outro lado, os presídios em São Paulo, superlotados – são 230 mil pessoas para pouco mais de 100 mil vagas –, se mantiveram em equilíbrio, com o PCC sendo um importante fiador.
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Em determinado momento, começaram a aparecer ameaças às autoridades, planos de fuga. Não havia o que fazer a não ser tentar quebrar a cadeia de comando.
Como está organizado o PCC neste momento em que ocorreram as transferências?
Do ponto de vista das drogas, eles deram passos muito importantes para chegar no mercado atacadista. Paraguai, Bolívia e Colômbia já têm importantes contatos para fornecimento para a facção. Eles passaram a coordenar essa rede de distribuição de forma inédita.
Não apenas o volume de distribuição de drogas aumentou, como isso permitiu acesso a outras mercadorias ilegais, como armas. Eles se estruturam economicamente, estrategicamente e costuraram ampla rede. O PCC nunca esteve tão forte como hoje.
Qual o efeito prático esperado com o isolamento dos líderes? Há um possível efeito colateral?
São sempre decisões complexas e há dilemas. Em presídios federais, os chefes do PCC terão contato com chefes de outros estados, permitindo alianças. Mas a vida deles também vai piorar bastante, já que estão agora em um regime bastante rígido, com rotina mais dura.
Mas, do ponto de vista organizacional, desde 2011 o PCC vem criando os “sintonia de rua”. Isso começou após medidas tomadas aqui em São Paulo para dificultar a comunicação com os líderes. Por isso, foi se criando uma estrutura que permitisse que as decisões fossem tomadas sem a necessidade de um aval superior, dando mais autonomia para os que estão na rua.
Então, de alguma forma, a estrutura continua a rodar, como continuou quando o Marcola recentemente foi para o RDD [Regime Disciplinar Diferenciado] aqui em São Paulo.
A transferência precisa vir acompanhada de quais medidas para reduzir o poder do PCC e, mais amplamente, melhor enfrentar o tráfico de drogas?
Existem medidas de curto, médio e longo prazo, algumas são de pronto-socorro. É o caso da transferência dos líderes da facção que ameaçavam autoridades do estado e resgatar de presos. São ações que precisam ser evitadas. Mas existe a necessidade de repensar o modelo de segurança pública e de Justiça que vem sendo implementado nas últimas décadas.
Foi a partir desse modelo que as facções cresceram. Como temos muito mais presos do que vagas e poucos funcionários para lidar com o interior dos presídios, tamanha é a superlotação, isso acabou sendo terceirizado para os presos, uma espécie de autogestão, que fortaleceu as facções e os líderes. Além disso, o próprio modelo de coordenar o tráfico a partir dos presídios passou a ser replicado nos demais estados. Então, o presídio virou parte do problema e não a solução. Isso é necessário repensar.
É preciso repensar também a forma de fazer o policiamento. Se aposta muito no patrulhamento ostensivo nas periferias, contra determinados grupos, como negros e jovens. Isso produz um superpovoamento do sistema penitenciário com pessoas pouco importantes na estrutura do crime e, mais um vez, fortalece as facções.
A violência que resulta desse enxugamento de gelo diário nas “quebradas” é o que permite que as facções façam o discurso anti-estado, que diz: “Eles querem nos exterminar, a solução é o crime e vamos bater de frente com o sistema”. Se não desconstruirmos isso, teremos só mais do mesmo remédio, que já virou um veneno.