Acusada de acobertar escândalos sexuais envolvendo seus próprios funcionários, a organização não governamental britânica Oxfam, uma das mais importantes instituições de caridade do mundo, tem sua reputação colocada em xeque e corre o risco de perder verbas.
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Nesta segunda-feira, o órgão regulador de ONGs no Reino Unido anunciou que iria abrir uma investigação para analisar como a Oxfam lidou um escândalo sexual ocorrido em 2011 no Haiti. O órgão disse ainda, em comunicado publicado online, acreditar que a Oxfam não prestou todas as informações que deveria.
No mesmo dia, uma ex-chefe da entidade revelou ao canal de televisão britânico Channel 4 que há indícios de que adolescentes voluntárias foram abusadas no Reino Unido e que funcionários trocaram ajuda humanitária por sexo no exterior.
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Segundo afirmou Helen Evans, que foi chefe do departamento de prevenção de danos da Oxfam entre 2012 e 2015, em alguns países (não especificados por ela), 1 em 10 dos funcionários foi assediado sexualmente ou testemunhou abusos envolvendo colegas.
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As acusações contra a ONG estão nas manchetes de todos os jornais britânicos desta terça. Mas o escândalo envolvendo a Oxfam começou a vir à tona na semana passada.
O jornal britânico The Times foi o primeiro a revelar, na sexta, que alguns dirigentes e funcionários da instituição contrataram prostitutas e organizaram orgias em instalações financiadas pela Oxfam no Haiti, durante a missão humanitária depois do terremoto que destruiu o país em 2010.
Segundo a publicação, a Oxfam tinha conhecimento de "preocupações internas" relacionadas a Roland van Hauwermeiren, diretor da ONG no Haiti, e a outro homem quando estes ainda trabalhavam no Chade, antes de assumirem postos sêniores no país caribenho.
À época, a Oxfam divulgou apenas que sérios desvios tinham sido identificados no Haiti, mas não revelou detalhes do caso.
Pedido de desculpas
Mark Goldring, presidente-executivo da Oxfam no Reino Unido, pediu desculpas e admitiu que a instituição errou ao permitir que van Hauwermeiren fosse transferido depois de ter sido alvo de acusações.
Também afirmou que contratar prostitutas não é "explicitamente proibido" pelo código de conduta da Oxfam, mas sim é vedado manchar a reputação da entidade e abusar de pessoas que poderiam ter sido beneficiárias de ajuda humanitária.
A Oxfam afirmou que pretende esclarecer as acusações com o máximo de transparência e urgência.
Depois que o Times noticiou que a entidade teria acobertado o escândalo no Haiti, a funcionária Penny Lawrence renunciou ao cargo de diretora dos programas internacionais da Oxfam. Ela afirmou que estava envergonhada e que assumia plena responsabilidade.
Lawrence entrou na Oxfam em 2006 e, segundo o site da ONG, liderava equipes em 60 países, entre eles o Brasil.
‘Haiti não era caso isolado’
Helen Evans, a ex-chefe do departamento de prevenção de danos da Oxfam, diz que, em 2012, foi encarregada de conter a cultura de abuso dentro da ONG. Uma investigação interna sobre o caso do Haiti levou ao afastamento de quatro funcionários afastados e à renúncia de outros três.
No entanto, segundo Evans, o que aconteceu no Haiti "não foi um caso isolado".
Ela diz que, à medida que criou mecanismos para recolher denúncias, contabilizou 12 casos entre 2012 e 2013 e outros 39 entre 2013 e 2014, sendo que 20 deles foram comprovados por completo ou parcialmente. Evans, contudo, diz que enfrentou dificuldades não apenas para reportar as denúncias como também para conseguir mais recursos para combater a cultura de abuso sexual em alguns escritórios da entidade.
"Num determinado momento, senti que tinha exaurido todos os caminhos internos disponíveis e que meu cargo na organização e que minha presença não eram mais sustentáveis. Saí preocupada e frustrada por não haver (visto) um compromisso sério com mudanças", diz o texto publicado na conta de Evans no Twitter.
Oxfam ameaçada?
A Oxfam tem cerca de 5 mil funcionários, 27 mil voluntários e 800 mil apoiadores. Segundo relatório da entidade, suas atividades ajudam mais de 11 milhões de pessoas no mundo. No ano passado, gastou cerca de R$ 1,2 bilhão em ajuda humanitária, desenvolvimento e campanhas.
Além de doações e de recursos arrecadados com a venda de produtos em lojas de caridade no Reino Unido, a ONG recebe verba do governo britânico e da União Europeia (EU).
A Comissão Europeia, que representa e defende os interesses da UE, pediu esclarecimentos e afirmou exigir o máximo de transparência da Oxfam. Ameaçou, também, interromper o financiamento a qualquer parceiro que não siga diretrizes éticas.
A Oxfam recebeu cerca de 1,7 milhões de euros em financiamento da UE para o programa de ajuda humanitária no Haiti em 2011.
Além das ameaças de perder dinheiro, a entidade viu sua reputação ser duramente atacada.
O embaixador do Haiti em Londres, Bocchit Edmond, classificou as revelações de chocantes, vergonhosas e inaceitáveis. Por sua vez, o presidente do Haiti, Jovenel Moise, condenou a postura dos funcionários da Oxfam e disse que "predadores sexuais exploraram pessoas carentes no momento de maior vulnerabilidade".
Will Grant, analista da BBC, diz que havia o temor dentro do governo britânico de que as alegações de abuso no Haiti pudessem ser "a ponta do iceberg" e que a Oxfam se transformasse em alvo de investigação assim como todas as agências de ajuda humanitária que atuam no Haiti. Segundo Grant, há muito ressentimento entre os haitianos em relação à impunidade relacionada às agências internacionais.
Depois do escândalo, a Oxfam assumiu compromisso público de melhorar os sistemas de prevenção e condução de denúncias de abuso e assédio sexual. Prometeu revisar os casos e adotar medidas mais rigorosas para recrutar funcionários.