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Belo Horizonte tem 366 mil pessoas vivendo em áreas irregulares

Através de mutirões, comunidades constroem as próprias casas | Leo Fontes

Mulheres, negras e pobres. A mãe, diarista. As filhas, uma estudante e outra desempregada. Retrato da desigualdade social que assola o país. Para não ficarem na rua, gastavam 80% da renda mensal, de um salário mínimo, no aluguel. Em um lugar precário, uma casa com péssimas condições, contou Maura Rodrigues. Até que a situação ficou insustentável. “Deixava de comer para pagar a moradia. Se atrasasse, não tinha conversa”. E foi na Ocupação Paulo Freire, na região do Barreiro, que elas encontraram uma alternativa. Com poucos pertences, se juntaram a outras 300 famílias e participaram dos primeiros acampamentos.

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Situações como a de Maura e das famílias da Ocupação Paulo Freire não são uma exceção na capital, pelo contrário. Dados da Urbel (Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte) mostram que cerca de 366 mil pessoas vivem em áreas irregulares, o que corresponde a quase 14,2% da população. De acordo com a professora do Departamento de Geografia da UFMG, Heloísa Soares Costa, os problemas habitacionais vieram junto com a fundação da cidade. “Desde o projeto inicial, não havia previsão de lugares para as populações de baixa renda. O acesso sempre foi feito através da compra, e quanto mais central é a região, mais caro”, explicou. Para a especialista, são necessárias políticas habitacionais que deem aos mais pobres o acesso à moradia. “Além disso, é preciso dar segurança para o morador sobre a posse do imóvel”.

E desde 2015, Maura Rodrigues convive com o medo diário de ser despejada. “Não estamos aqui por gostar. É um processo muito difícil, uma luta diária, mas também um alívio para quem morava de aluguel”. Dos barracos de lona e madeira, a comunidade se uniu e iniciou a construção das casas de alvenaria. “Primeiro houve a divisão dos lotes. Tivemos uma cozinha coletiva por um tempo e as famílias acabaram criando um vínculo muito forte. Tudo é coletivo”. Sem esgoto e qualquer outra infraestrutura pública, os moradores tiveram de recorrer às ligações clandestinas até que o governo regularize a situação.

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Hoje, a gestora cultural vive em uma casa de dois cômodos, com cozinha e quarto, tudo construído por ela e a própria comunidade. “O sonho da minha mãe é ter um banheiro. Começamos do zero e aos poucos vamos transformando o nosso espaço”, enfatizou. Heloísa Soares explicou que além do deficit habitacional, há ainda o problema da precarização de muitas moradias. “De um lado, pessoas sem um lugar digno para viver. Do outro, lotes e unidades habitacionais vazias”, apontou. A pesquisa mais recente da FJP (Fundação João Pinheiro) mostra que em BH a falta de moradias chega a 78 mil.

Movimento recente

Nos últimos dez anos, a capital assistiu ao surgimento de novas formas de ocupação nas periferias da cidade. Paulo Freire e Eliana Silva no Barreiro, Zilah Spósito e Rosa Leão na região Norte, e Dandara, em Venda Nova, são apenas alguns exemplos. A última já possui quase seis mil moradores. Segundo a Urbel, os dados mais recentes apontam as ocupações já contabilizam 10 mil pessoas.

Líder do MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas), Leonardo Pericles mora no Eliana Silva, que recentemente recebeu ligações de água, luz e esgoto, além de uma creche. “Foram  quatro anos para chegar a essa infraestrutura. E só quando passaram dois é que vieram os primeiros benefícios”, afirmou. Para Pericles, a atuação dos governos é tão ineficiente que as próprias ocupações já entregam mais moradias que o poder público. “Até 2015, a prefeitura construiu só 24 mil residências, sendo que a maioria foi para o reassentamento de famílias expulsas por conta de obras”, alegou.

Reintegração de posse

Em reunião sobre o tema na Assembleia Legislativa, o procurador do Ministério Público, Afonso Henrique de Miranda, defendeu a necessidade do Poder Judiciário se adequar para proteger essas populações, uma vez que “não existe Justiça sem justiça social”. “Não se pode conceder uma liminar sem conhecer a situação dos que vivem no local. Quem não usou o imóvel não pode pedir a reintegração do que nunca usou”, disse. Conforme o procurador, uma medida como a de reintegração de posse deve ser vista por um viés mais amplo que o Código Civil. “A propriedade tem que cumprir a sua função social prevista na Constituição da República”, finalizou.

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