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Música gospel cresce na pandemia e fura bolha evangélica

Segundo maior do país, segmento tem base de seguidores fiéis

Um dos maiores gêneros musicais do Brasil, o gospel chega a “era dos streamings” ainda mais maior. Somos o segundo maior mercado cristão do mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos. Por aqui, o estilo é responsável por 20% do setor fonográfico.

Os dados são da última pesquisa realizada pela Associação das Empresas e Profissionais Evangélicos (Abrepe), em 2018. Plataformas como Spotify e Deezer trazem números mais recentes: a primeira apontou um crescimento de 44% no número de ouvintes em 2019, enquanto a segunda registrou um aumento de 37% em sua principal playlist do gênero bem no começo de 2020.

Contudo, mesmo com tantos superlativos, ainda existe a sensação de que o gospel é um mundo à parte. Por que?

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“As pessoas não conhecem o que é música gospel, não sabem qual a relevância dela. Durante a época do CD físico, a música religiosa só perdia para o sertanejo em vendagens. A transição para o streaming está sendo um pouco mais lenta, mas ainda assim é um mercado muito forte”, explica o diretor artístico da Sony Music, Mauricio Soares.

Algumas gravadoras são voltadas exclusivamente à musica gospel, como MK Music e MC Music (antiga Voz da Libertação). Outras dedicam selos exclusivos, como Você Adora, da Som Livre, e Sony Music Gospel. “A Sony tem 70 filiais no mundo inteiro, mas só a brasileira tem departamento de música gospel”, aponta Soares.

Mercado em ascensão

Há uma mudança acontecendo em como o público se relaciona com a música gospel - e ela parece estar ligada à pandemia. Segundo o Google, houve um aumento de 200% em buscas por termos ligados à espiritualidade, o que pode indicar uma explicação para o crescimento do estilo nas plataformas de streaming.

“A gente está lidando com fé, então é comum ouvir alguém dizer que estava precisando de uma palavra de conforto e a música [gospel] falou com ela de alguma forma. Geralmente, há uma relação que marca a história dessa pessoa”, afirma o diretor.

Também existe o fato de que artistas de outros segmentos têm se aventurado no gênero: em abril de 2020, Anitta realizou uma live com sucessos de nomes como Bruna Karla e Preto no Branco, por exemplo. Outro: após mais de 30 anos de carreira, Luciano Camargo (da dupla com Zezé Di Camargo) lançou o álbum “A Ti Entrego”, em maio deste ano.

Ao mesmo tempo, o próprio setor se abre para outras experiências. Priscilla Alcântara, ex-apresentadora do programa Bom Dia & Cia e que seguiu carreira na música gospel por muitos anos, lançou um álbum pop. O movimento fez com que públicos diferentes fossem alcançados pela artista.

O engenheiro de produção Gustavo Schneider conheceu Priscilla pouco antes desse momento. “Ouvi ‘Empatia’, por indicação de uma amiga que acompanha música brasileira. No começo não quis dar atenção por ser gospel, mas depois eu gostei, até porque a música não faz uma ode a nenhuma religião, então ela consegue falar com todo mundo, de forma plural”, relata Schneider. Nem ele nem a amiga são evangélicos, mas acompanham a artista.

Outra experiência nova no gênero são os grandes eventos musicais. Embora há anos existam movimentos de prefeituras levarem artistas gospel para festas municipais, começam a despontar grandes festivais exclusivamente gospel. Em novembro, a cidade de São Paulo recebeu o primeiro do gênero, o Big Church Festival, realizado aos moldes de espetáculos de músicas seculares.

E o que seria uma música secular?

“Esse é um termo criado para se referir a toda música que não é sacra. No Brasil, a música cristã, que já foi chamada de música evangélica, hoje é conhecida como gospel”, explica o diretor da Sony. E dentro do próprio estilo há diversas segmentações. “É um gênero que abarca todos os outros, na verdade. Dentro do guarda-chuva maior que a gente chama de gospel, você tem de tudo: rock, eletrônico, reggae, sertanejo... Mas, na verdade, é uma música como qualquer outra, só que sobre temas bíblicos, ligados à questão da fé”, explica o diretor da Sony.

Rompendo fronteiras

A Sony Music lançou um projeto chamado “Somos Um”, em que desvenda o gospel para o grande público, como forma de comemorar os 10 anos do selo dedicado ao gênero. E há motivos: enquanto uma música secular tem um prazo de validade entre seis meses e um ano para “morrer”, salvo poucas exceções, no gospel é comum que uma música atravesse anos, ou mesmo décadas.

“‘Ninguém Explica Deus’, um clássico da banda Preto no Branco, foi lançado em 2017, mas ainda segue como uma das mais executadas nas rádios e que mais ganham stream nas plataformas”, exemplifica Soares.

Pensando nessa nova fase do gospel, uma das fases do projeto foi uma websérie que apresentou ao público geral subgêneros como congregacional e pentecostal, em depoimentos das próprias estrelas do estilo.

Aliás, sobre o pentecostal: “é uma jabuticaba, um estilo que só existe no Brasil. É uma mistura de música sertaneja com música nordestina e é muito forte em igrejas do movimento pentecostal, como Assembleia de Deus, Deus é Amor e Congregação Cristã no Brasil”, resume o diretor da Sony. Durante muitos anos, inclusive, o gospel brasileiro era conhecido no exterior por conta deste subgênero, através de nomes como Shirley Carvalhaes, Cassiane e Damares.

Essas cantoras são nomes extremamente familiares para a psicóloga Eudalis Lopes, que cresceu na Igreja Deus é Amor e ouve essencialmente música gospel - mas não só. “Acho que eu peguei mais gosto [pelo estilo] quando comecei a cantar sozinha, aos 14 anos”, conta.

Apesar de pertencer a uma igreja do movimento pentecostal, suas referências são mais congregacionais. “Depende de cada gênero, mas eu gosto de acompanhar Casa Worship, Paulo César Baruk, Leonardo Gonçalves, Preto no Branco e Gabriela Rocha, por exemplo”, enumera Lopes.

Além disso, artistas de outros gêneros também acabam servindo de inspiração para ela, em seu dia a dia. “Se tem palavrão ou vulgaridade, eu prefiro não ouvir. Mas se é algo que tem uma ideia por trás, eu gosto. Atualmente, eu estou gostando muito de ouvir a banda de kpop BTS”, confessa a psicóloga.

Parcerias com outros gêneros

Em outros estilos musicais, é comum haver parcerias entre artistas totalmente diferentes. Essa é uma estratégia de mercado que faz com que rappers se tornem conhecidos entre o público do pop, que o sertanejo seja mais aceito entre consumidores de MPB e por aí vai.

Contudo, mesmo abraçando outros estilos, o gospel se arrisca muito pouco em parcerias - caso de Priscilla Alcântara, como já citado.

“É uma questão mais ousada, talvez o público ainda não esteja preparado para isso. Existe a possibilidade, mas não é só o cantar. A música cristã fala de uma vivência, então não é simplesmente somar um artista x com um cantor y”, aponta Soares. “Mas acho que há abertura, a proximidade é maior do que há 10 anos. Temos um melhor entendimento do público evangélico para esses encontros”, diz.

O engenheiro de produção Gustavo Schneider, que acompanha a vencedora do The Masked Singer, concorda. “A Priscilla é jovem e tem movimentos de tolerância maior do que outras pessoas. Antes de ser gospel, ela é uma artista e eu acho incrível ela fazer justamente o que tem vontade e não sentir medo de furar essa bolha”, afirma.

A psicóloga Eudalis Lopes também segue esse pensamento. “Eu não vejo problema. Ton Carfi fez uma parceria com Livinho e eu acho que é uma forma de quebrar o paradigma de que só evangélicos ouvem música gospel e alcança outros públicos. Destrói esse muro”, defende.

Ela também explica que o estilo mudou nos últimos anos, o que facilita a aproximação. “Se antes as músicas eram focadas em adoração a Deus, hoje elas entram quase em um processo de auto-ajuda. Uma pessoa que ouve gospel sem estar na igreja faz isso porque se identificou de alguma forma”, aponta.

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