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As duas faces

antonio-carlos leite colunista De forma quase cândida, o PT, no encerramento do programa de ontem, afirma estar aberto a “ouvir, corrigir, melhorar”. Poucas horas antes, Aloizio Mercadante admitiu erros do partido e pediu o apoio da oposição ao ajuste fiscal. “Qualquer governo, qualquer partido tem bons e maus momentos”, disse uma voz, enquanto a tela mostrava trabalhadores sorrindo. Ou seja, diante da pesado agravamento da crise, o PT, quem diria, ficou humilde. Logo o PT… O partido sempre foi conhecido por se ter em altíssima conta, detentor de um certo tipo de superioridade moral e intelectual. Boa parte da situação do país se deve ao fato de a cúpula petista (e o presidente do partido, Rui Falcão, é exemplo bem acabado disso) se achar dona de uma pureza ética que justificava atitudes como não se aliar a nenhum outro partido nem que isso significasse a vitória da “direita”. Foi assim, por exemplo, com a negativa de Eduardo Suplicy de apoiar Fernando Henrique Cardoso na disputa pela prefeitura paulistana na década de 1980. Mesmo sabendo ser impossível vencer, Suplicy negou todos os acenos para uma aliança, dividiu o eleitorado, e entregou São Paulo para Jânio Quadros. Esse pedantismo moral e intelectual se espalhou pela militância. E até mesmo para os aliados de esquerda era impossível qualquer tipo de debate com os petistas, porque a eles era reservada uma capacidade de enxergar acima e além de todos.

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Hoje, o partido acusa “os conservadores de dividirem o país. Esse discurso entre “nós” e “eles”, na verdade, surgiu com Lula, foi formatado de forma rancorosa e cínica pelos porta-vozes do partido na internet, como Paulo Henrique Amorim, e desaguou nas redes sociais, onde divergência política virou sinônimo de guerra. O PT e os petistas nunca foram humildes. E nunca o serão. As provas disso podem ser pescadas em diversos momentos do mesmo programa de ontem. Rui Falcão se propôs a fazer um alerta, mas não ficou nisso: o fez em tom de ameaça. “Juízo! O povo saberá defender a grande conquista dos brasileiros: a nossa nova e vibrante democracia”, disse Falcão, talvez se achando um líder popular. “Agora é fácil dizer que o governo errou”, disse o ator José de Abreu, esquecendo todos os avisos feitos nos últimos anos. Mas o toque final veio com a maneira irônica como o partido tratou os panelaços. Autossuficiente, o PT não acredita em pesquisas (afinal, elas são feitas pela “mídia golpista”), não acha possível haver insatisfação no país com o seu governo, vê nos protestos a atitude restrita de uma classe média burguesa. Ou seja, é o mesmo PT de outras épocas, pedante e superior. Qual PT, hoje, é o verdadeiro? Não dá para saber, porque é um partido de duas faces. Aliás, essa repentina humildade é lamentável. Não por ser repentina. Mas porque, como se sabe, é melhor enfrentar um mau caráter a alguém de caráter dúbio. Afinal, todos sabem o que se pode esperar de um mau caráter…

Antonio Carlos Leite é jornalista há 28 anos. É diretor de Redação  do Metro, diretor de Jornalismo da Sá Comunicação e escreve às sextas-feiras neste espaço.

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