Não há disfarce para o racismo no Brasil, como muito se fala. “O racismo no Brasil nunca foi velado”, reforça o doutor em Educação Gustavo Forde, professor e pesquisador da área estudos afro-brasileiros e relação étnico-raciais. Para Forde, os ataques raciais feitos por meio de comentários nas redes sociais não intensificaram o racismo, mas tornaram públicas as violências cotidianas sofridas pela população negra. Nesta entrevista, no Dia Nacional da Consciência Negra, o pesquisador, que é diretor do Cecun (Centro de Estudos da Cultura Negra no Espírito Santo), fala sobre essas e outras questões.
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Quais são os grandes desafios do Movimento Negro e suas principais pautas?
Os desafios do combate ao racismo e a valorização do negro têm constituído um conjunto de áreas de atuação como educação, mercado de trabalho, acesso à terra, saúde, cultura etc. Em cada um desses campos, existem pautas, como a garantia de implementação do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas, o combate ao genocídio da juventude negra, a garantia de titularidade de terra às comunidades quilombolas, a oferta de bens e serviços com foco na política de saúde da população negra, o combate ao racismo religioso, programas de trabalho e geração de renda.
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É possível apontar a origem do racismo no Brasil?
A ideologia racial e racista é estruturante no modo como o estado brasileiro e os valores nacionais foram pensados. Por exemplo, nos séculos XIX e XX os “homens de ciência” propuseram uma nação brasileira visando eliminar fisicamente e culturalmente os elementos negros e indígenas com o objetivo de branquear a população. E, hoje, o racismo se manifesta nas formas de discriminações, explorações e marginalizações. O impacto do racismo institucional na vida da população negra é percebido na forma precária como os negros são tratados quando tentam acessar bens e serviços públicos.
As redes sociais têm sido um campo fértil para ofensas raciais. O mundo virtual evidencia o racismo antes considerado velado?
O racismo no Brasil nunca foi velado. As manifestações que hoje ocupam as redes sociais sempre existiram em certos setores da sociedade. As crianças negras são chamadas de “macacas” nas escolas; os jovens negros são as maiores vítimas da violência policial; o negro é sub-representado na mídia; a mulher negra enfrenta maiores obstáculos para ter acesso ao mercado de trabalho. O que ocorre, agora, é que tais violências, nomeadas de ofensas, têm sido amplificadas publicamente nas redes sociais. No Brasil, o racismo sempre operou cotidianamente de forma implícita ou explícita.
Comentários racistas muitas vezes são vistos como uma brincadeira. Como o Movimento Negro enxerga isso?
Não podemos continuar tratando crimes contra a dignidade humana como mera brincadeira. Não trata de defender uma suposta “liberdade de expressão” ou acusar como suposta “ditadura do politicamente correto”. Trata de compreender que o racismo no Brasil é crime e, deste modo deve ser enfrentado. O que está em jogo no caso do jornalista William Waack [um vídeo vazado no início do mês mostra o momento em que ele teria dito que “era coisa de preto” o fato de um motorista buzinar perto do local de uma gravação] não é simplesmente o “jornalista em si”, mas os interesses e comportamentos de um determinado grupo sociorracial que ele representa. As manifestações de apoio podem ser compreendidas como uma espécie de comportamento de “autodefesa” de um grupo étnico-racial.
Como acabar com o racismo?
É possível sim superar o racismo. Ninguém nasce racista, as pessoas se tornam racistas ao longo de processos de socialização. Combater essa cultura racista exige ações sistêmicas, em especial, no campo da educação. É necessário prevenir, investindo em uma educação assentada em princípios antirracistas, reprimir o racismo com o rigor necessário já estabelecido nos marcos legais brasileiros. E promover a população negra social e economicamente com a consolidação de políticas de ações afirmativas.