O relógio marca 9h30. Na mesa da sala, cadernos de caligrafia, lápis de cores e um material dourado para auxiliar nas contas dividem o espaço. É a hora que o pequeno G., de 5 anos, começa suas atividades escolares ao lado da mãe, J.S. Eles vão ficar ali até às 11h. De tarde, G. e seu irmão mais novo de 3 anos vão dormir e J.S. consegue um tempo para si. Essa rotina se repete, formalmente, três vezes na semana – nas terças e quintas, quando G. pratica tênis, o estudo é mais curto, das 15h às 16h.
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O Metro Jornal usa siglas para preservar a identidade e atendendo a um pedido dos entrevistados.
O método de ensino adotado por J.S. é chamado de homeschooling, prática que ainda não tem regras no Brasil, mas entrou na pauta do governo Jair Bolsonaro (PSL).
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Em setembro do ano passado, o STF (Supremo Tribunal Federal) julgou que, por falta de lei, o ensino domiciliar não é um meio lícito para que pais garantam aos filhos o acesso à educação. Em acréscimo ao entendimento da Corte, a modalidade, porém, pode ser legitimada se houver norma que determine suas diretrizes.
Meta dos 100 dias
Para preencher o vácuo que coloca essas famílias à margem da ilegalidade, o MMFDH (Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos), em ação conjunta ao MEC (Ministério da Educação), prepara uma MP (Medida Provisória) para regulamentar a educação domiciliar no Brasil.
A medida faz parte do pacote de metas apresentado pelo governo federal a serem cumpridas nos primeiros 100 dias.
O texto ainda está em fase de elaboração, mas apesar de ainda não ter data prevista para ser enviado oficialmente ao Congresso, pode ser levado à apreciação das Casas até o fim do mês.
“Tendo em consideração a densidade e a relevância do tema, é fundamental prosseguir com o diálogo para garantir que a MP possua efetividade e amplitude”, afirmou a pasta por meio de nota.
A ministra Damares Alves, destaca, no entanto, que haverá regras para controlar aqueles que escolherem esse tipo de ensino. “Uma das propostas é que o Conselho Tutelar visite essas famílias para saber se as crianças realmente estão estudando em casa. E lembrando de que essas crianças poderão passar por avaliações.”
Assim que for assinada pelo presidente Jair Bolsonaro e publicada no DOU (Diário Oficial da União), a MP terá força de lei, mas precisará ser aprovada pela Câmara e pelo Senado em até 120 dias para ter vigência definitiva.
Método ainda está longe de encontrar consenso
O ensino em casa está no meio de um fogo cruzado entre educadores, ministros, parlamentares e diversas famílias brasileiras.
Os motivos que levam cada pai e mãe a tirarem seus filhos do ambiente escolar podem ter raízes na própria segurança e saúde da criança – como reflexos de bullying contínuo –, no funcionamento da família, na má qualidade do ensino ou até mesmo por questões religiosas.
J.S. considerou a própria experiência na escola como uma das razões para seguir com a prática. “Sempre fui boa aluna, mas precisei de educação complementar para passar no vestibular e em outras fases da minha vida escolar. O ensino nunca foi completo, mesmo eu me esforçando”, avalia. Ela conta que hoje G. é independente e sociável. “Ele sabe realizar afazeres domésticos, desenvolver um diálogo com qualquer pessoa, é educado e não faz escândalos na rua.”
Em contrapartida, a professora da Faculdade de Educação da UnB (Universidade de Brasília) Catarina de Almeida Santos mostra preocupação com a prática. “Não temos no país nenhuma capacidade do Estado de garantir que essas crianças estejam vivenciando o seu direito ao ensino e tenham uma formação plena. Isso se considerarmos apenas os conteúdos. Porque a formação não passa apenas por esse viés. A criança e o jovem aprendem com o colega, com o professor, com os trabalhos em grupo dentro de sala, assimilando regras de convivência e respeito”, afirma.
Perfil difícil de traçar
Com receio de sofrerem represálias, muitas famílias adeptas preferem se reservar. Antes de conseguir conversar com J.S., o Metro Jornal recebeu de sete casais a resposta “não damos entrevistas”.
O pesquisador André de Holanda Padilha Vieira, da UnB (Universidade de Brasília), ouviu 62 famílias que praticam a modalidade. Em 70% delas, as mães são as professoras em casa e em 84% dos casos, os pais estabelecem um período diário de ensino de até quatro horas. METRO Brasília
Afinal, o que é homeschooling?
A modalidade de educação escolar é chamada de homeschooling – quando os pais decidem que suas crianças serão ensinadas em casa e não na escola, estipulando regras próprias, horários e conteúdos a serem estudados. O nome é estrangeiro e ganhou força em meados da década de 1970, nos Estados Unidos. Apesar de difundida em mais de 60 países, a prática não está prevista na legislação brasileira.
O que diz a lei atual? Pais devem ser punidos
Não há ainda no Brasil uma legislação que mencione especificamente a modalidade de ensino em casa. A educação de menores de idade está basicamente regulada pela Constituição Federal, ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e pela LDB (Lei de Diretrizes e Bases Educacionais), além do Código Penal.
Atualmente, os pais de uma criança com mais de 4 anos de idade que não a matriculam em um centro de ensino podem ser acusados de abandono intelectual – considerado crime pelo artigo 246 do Código Penal. A pena, segundo o dispositivo, é de 15 dias a um mês ou multa. Os responsáveis poderão, também, responder processos administrativos por descumprimento das obrigações de cuidado e zelo da criança, como prevê o ECA.