Estilo de Vida

Escolas públicas em regiões pobres alcançam excelência no aprendizado

“Quem pode dizer se uma escola é boa ou não é o aluno”, diz o cineasta Luiz Bolognesi. “Ele vai gostar de estar lá se o aprendizado for prazeroso, instigante e transformador”. O diretor e a esposa, a cineasta, Laís Bodanzki, rodaram pelos rincões mais distantes do país e visitaram escolas públicas que, mesmo sem infraestrutura e localizadas em áreas de baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), mostraram ser possível ensinar com qualidade. Mas qual a mágica delas?

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É essa pergunta que move a série documental “Educação. Doc”. As respostas, o  casal buscou em escolas públicas distantes e problemáticas, mas com experiências bem-sucedidas. Eles  ouviram diretores, professores, e principalmente os estudantes.

Os cineastas admitem: não encontraram uma solução que atenda a todos. Mas afirmam ter voltado da estrada com uma certeza renovada do papel transformador da educação.

“Não acreditamos que existe alguém capaz de mudar o Brasil. Mas achamos que há um lugar que pode fazer isso: a escola”. O mergulho nessa não muito conhecida educação pública de qualidade durou cerca de um ano. “A surpresa foi descobrir que é possível ter uma escola pública boa”. E Bolognesi ressalta que são algumas milhares. “O assombroso é que são 180 mil escolas públicas no Brasil, cerca de duas mil tem qualidade. É muito pouco.”

Para a série, os cineastas procuraram escolas públicas exemplares, urbanas e rurais, em áreas pobres. “Encontramos centenas cruzando indicadores, como notas altas no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e aprovação no Enem e vestibulares, mas, aprofundando a pesquisa, descobrimos milhares e escolhemos oito, no Piauí, Ceará, interior da Bahia e periferias do Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná.”

Bom resultado é um traço em comum entre elas. “Há 13 anos, Ibitiara (interior da Bahia) não conseguia alfabetizar 10% das crianças ao final do 2º ano, hoje 87% estão alfabetizadas no meio do ano, relata Gislainy Araújo, coordenadora do Icep (Instituto Chapada de Estudo e Pesquisa). “Em uma década asseguramos o direito de aprender.”

Brilho no olho e confiança são marcas desses colégios 

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Não há soluções milagrosas, nem fáceis, para a educação pública no Brasil. Mas é possível encontrar traços em comum nas experiências que apresentaram bons resultados. A equipe do documentário “Educação.Doc” afirma que, do Cocal dos Alves, no Piauí, a Foz do Iguaçu, no Paraná, chamaram a atenção o “brilho nos olhos e a confiança das famílias no trabalho da escola”. Essa teia de vínculos com  comunidade e alunos é uma marca dos projetos educacionais que deram certo.

Foi por meio da adesão das pessoas em seu entorno que uma escola em Heliópolis, zona sul de São Paulo, mudou a realidade de uma das regiões mais violentas da capital, dominada pelos chefões do tráfico de drogas. O então diretor, Braz Nogueira, conta que ao assumir a direção da Emef (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Campos Salles, se deparou com uma situação aterradora. Diante de muitos relatos de brigas, toque de recolher e até chacinas na comunidade interferindo nas aulas, fez a si mesmo uma indagação desalentadora: “O que eu fiz da minha vida?”

Furioso após o roubo de 21 computadores, ele conta que saiu pela comunidade aos berros. “Não foi a prefeitura que perdeu, foram os seus filhos”. Logo depois, segundo Braz, uma pessoa o  procurou pedindo para devolver os equipamentos, mas na comunidade, com receio da polícia. Foi então que ele percebeu que os muros não tinham nenhuma relação com segurança. E convocou alunos e pais para derrubá-los e, assim, integrar – literalmente – o colégio à comunidade. “Mostramos a escola com sua beleza e feiura, defendendo a ideia de que mudar era responsabilidade de todos”, relembra o diretor.

O comprometimento da comunidade também foi fundamental para garantir a presença dos alunos na sala de aula em Sobral, no Ceará. Na região conhecida pela alta evasão escolar, “cabular” é coisa do passado. “Se faltou duas vezes na semana, vou ver o que houve”, diz Eduardo Rodrigues, estudante universitário que presta todo tipo de auxílio ao Caic (Centro de Atenção Integral à Criança) Raimundo Pimentel Gomes. “Antes reclamavam, hoje os pais já até me esperam.” 

Análise – “Toda criança pode aprender”

Há quem se surpreenda com a existência de escolas públicas de boa qualidade, ainda mais se estiverem em favelas, bairros pobres, no campo, em comunidades indígenas ou quilombolas. Mas elas existem e estão aí para superar um dos preconceitos mais enraizados de  nosso país: o de que a escola pública é sempre de pior qualidade, pois atende crianças pobres, com difíceis condições de vida, o que limitaria sua aprendizagem. Teria também educadores pior formados, que não se importariam com seus alunos.

Trabalhar com crianças e jovens com esse perfil traz mais dificuldades e desafios. O maior é fazer com que todos, em especial a comunidade escolar, acreditem que toda criança, independentemente de sua origem social, é capaz de aprender. Para isso, é preciso que a escola acredite em seus alunos e se organize para reconhecer as potencialidades, os conhecimentos e os valores que eles possuem, bem como valorizar sua cultura e identidade. Com o objetivo de que cada um aprenda mais.

Outro aspecto importante é que todas as escolas estão relacionadas, especialmente aquelas de uma mesma vizinhança. O que cada uma faz afeta as outras. Quando uma melhora, ela se torna, com razão, muito atrativa para as famílias, que passam a evitar as escolas vizinhas. Com isso, elas se tornam cada vez melhores.

No sentido contrário, as escolas vizinhas deixam de atrair esses alunos, e passam a concentrar alunos muito distantes desse perfil. Com isso, vão tendo cada vez mais dificuldades para possibilitar um ensino de qualidade. Professores e gestores também passam a evitá-las. Assim, é importante que as escolas que se relacionam num local vulnerável melhorem juntas.

Antônio Batista – Coordenador de Desenvolvimento de pesquisa do Cenpec

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