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A cidadela das convicções

 

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anderson-furlan-300Deve-se a Thomas Kuhn o trabalho de repensar o desenvolvimento da Ciência enquanto Ciência, tanto que uma de suas obras mais conhecidas é “A Estrutura das Revoluções Científicas”. Para ele, a Ciência se desenvolve a partir da elaboração de paradigmas, ou seja, as contribuições científicas que superam a fase mítica do conhecimento e, se tornando universalmente aceitas, passam a fornecer esquemas conceituais aptos a derivarem problemas e soluções modelares dentro daquele ramo da Ciência. Sir Isaac Newton, no século XVII, fundou as bases da Física moderna. Após Newton, os cientistas se adaptaram ao novo paradigma e dele defluíram novos esquemas conceituais. Até que Albert Einstein, três séculos depois, rompeu com o paradigma newtoniano e estabeleceu novos fundamentos para Física, estruturando o paradigma no qual os cientistas ainda trabalham. Mesmo sem percebermos, muitos paradigmas conduzem nosso modo de pensar e raciocinar. Nas Ciências exatas, o acúmulo de conhecimento faz com que os novos paradigmas se estabeleçam sem muitos atritos sociais. Saber se a velocidade da luz é imutável ou não, decerto não influirá no cotidiano das pessoas. Por outro lado, nas ciências humanas e biológicas, quando alguns paradigmas são confrontados, sacudindo convicções vigentes, especialmente se possuírem matriz religiosa, o reflexo no cotidiano será inevitável. Foi por receio de mostrar ao mundo suas conclusões evolucionistas, que afrontavam o paradigma criacionista vigente, que Charles Darwin relutou durante muitos anos em publicá-las. Quando as publicou, foi ironizado e insultado, até que o tempo – e a superação do paradigma – se encarregou de colocá-lo entre os grandes gênios da humanidade. O mesmo se passa na Ciência Jurídica. Leis ou decisões de Tribunais que afrontam o paradigma vigente, muitas vezes causam desconforto social, como aconteceu com a abolição dos escravos, a emancipação feminina, o divórcio, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e seus reflexos na constituição de família, a proibição de fabricação de carros movidos à gasolina (como na Alemanha),  o reconhecimento de que os animais não são coisas ou que não podem ser objeto de esportes cruéis (v.g. “vaquejada”).  Em todos esses casos,“a cidadela das convicções é rodeada de uma muralha de rejeição irônica”(Fernando Araújo).  Quando a força das novas ideias começa a se impor, abrindo fendas no pensamento dominante acriticamente estruturado, a rejeição irônica é a primeira das armas empunhadas. Aconteceu com os escravos, com as mulheres e com os homossexuais. Estamos assistindo acontecer com os animais.

Juiz Federal em Maringá-PR, mestre e doutorando em Ciências Jurídico-Econômicas pela Faculdade de Direito de Lisboa, professor de Direito Ambiental e Tributário, ex-presidente da APAJUFE.

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