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‘Meu compromisso é com a vida’, diz Alex Atala, editor convidado do Metro; leia entrevista

Papo de chef. Inquieto, Atala fala de sua preocupação com a alimentação e faz declaração de amor ao Brasil e sua diversidade

André Porto/Metro

Ele vem com tudo! Mas não te atropela. Pelo contrário, convida e seduz a embarcar e seguir pelo seu mundo que não se restringe a panelas e talheres reluzentes. De fala rápida, olhos inquietos, mãos e pensamento ágeis, Alex Atala não se furta a ser e parecer um homem comum, que expõe suas vulnerabilidades e ri de si mesmo. Intenso e divertido, inteligente e interessante, curioso e inquieto, acumulou muito conhecimento sobre ingredientes brasileiros, alimentação e fome no mundo. E quer falar. Quer passar tudo isso para frente, compartilhar ideias, a mesa e a vida com o maior número de pessoas possível.

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E foi por isso aceitou o convite para ser o editor convidado do Metro. Há três meses, fizemos o primeiro contato. Assim que voltou de viagem, respondeu rapidamente: “Sim!”. Já na reunião de pauta foi dizendo o quanto sentia falta de ter espaço para compartilhar todo o conhecimento que tem acumulado.

LEIA O METRO DESTA QUARTA-FEIRA (28) COM O EDITOR CONVIDADO ALEX ATALA
Nos meses que se seguiram, Atala, que está no seleto grupo de melhores chefs do mundo – com direito a episódio no “Chef’s Table”, premiada série da Netflix –, viajou para seis países diferentes a trabalho, teve uma infecção severa que quase o tirou do evento Mesa SP, mas ainda assim palestrou, cozinhou, recebeu chefs da América do Sul, regeu a edição, fez fotos… Com Atala é sempre assim: você pode não ter muito do seu tempo, mas o quanto tiver será intenso. Confira.

Você é um chef reconhecido mundialmente, empresário bem sucedido… Aos 50 anos, ainda se considera um homem inquieto?
Eu espero não ficar quieto! Acho que uma das molas importantes da vida é a curiosidade e a curiosidade vem com a inquietação. Para mim, a juventude não é questão de idade, mas de vontade. A minha inquietação é muito baseada na curiosidade, sempre e sobre tudo,
e também na vontade.

Chef opinou sobre a capa da edição em que foi editor convidado.

Você viaja muito. Como enxerga o consumidor brasileiro?
Vou fazer uma crítica e um elogio. Começando pelo elogio, não existe lugar no mundo mais aberto ao novo que o Brasil. Até uma criança aqui conhece esfiha, sushi, pizza, hambúrguer, arroz e feijão… Essa abertura do paladar ao novo é uma característica quase que única do brasileiro. A crítica é sobre a ideia de que o importado é sempre melhor. Mas o bom é o produto local, se possível in natura, porque foi menos manipulado, é melhor para a sua saúde. Além do que o recurso, a economia e o valor cultural ficam no entorno.

E como acha que o mundo enxerga o Brasil hoje?
O maior celeiro de chefs do mundo hoje é o Brasil, mas não sabemos vender isso. Temos chefs incríveis que precisam ser promovidos, reconhecidos. E também os nossos biomas, os nossos caipiras, ribeirinhos, indígenas, urbanos… Temos que ser orgulhosos de quem nós somos.

Qual é a importância do Instituto ATÁ e do FRU.TO?
O FRU.TO talvez seja uma quebra de paradigma, porque não estamos falando de cozinha, mas de alimento. O alimento passa por essas múltiplas disciplinas de humanas, entre elas a conservação do meio ambiente, a antropologia, a psicologia, a neurociência. Eu fiz muitos congressos e sempre brinquei que congresso de chef para chef é rezar missa para convertido.

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O FRU.TO é o oposto, é propagar para as pessoas parte de quanto é rico e humano o ato de produzir e alimentar. O Instituto ATÁ tem uma missão simples, aproximar o saber do comer, o comer do cozinhar, o cozinhar do produzir e o produzir da natureza (leia mais ao lado).

Leia mais:
Alex Atala: Conheça a história do mais premiado chef brasileiro
Instituto ATÁ e FRU.TO: conheça projetos de Alex Atala

Você se empolga mais em falar sobre a questão do desperdício, do aproveitamento do alimento e da fome do que sobre alta gastronomia ou é só impressão?
Há realidade nessa impressão. Depois de mais de 30 anos sendo chef profissional, minha paixão é exacerbada pela gastronomia, pela alta cozinha, por cozinhar. Mas a cozinha me levou à essa consciência ambiental, essa utilização do ingrediente, para valores distorcidos ou que podem ser revistos e isso me empolga muito hoje. O meu primeiro compromisso com o meu cliente é entregar delícias, mas o que me faz levantar de manhã e ir para o restaurante cumprir essa missão é essa briga, essa vontade, esse sonho de falar do Brasil, falar desses ingredientes incríveis, desses chefs incríveis.

Alex Atala conheceu a rotina da redação do Metro Jornal

Como você lida com o fato de ser uma celebridade?
A primeira vez que eu cozinhei para o Pelé, ele cumprimentou todo mundo, tirou foto com o lavador de louça… Se o Pelé que é muito mais famoso que eu faz, não vou ser eu que não vou fazer! Eu já deixei de admirar pessoas porque elas não foram legais, então tento ser acessível. Nem sempre é fácil, às vezes estou comendo, com a família (Atala é casado pela segunda vez e tem três filhos, Pedro, de 24 anos, e os gêmeos Joana e Thomas, de 14 anos), às vezes estressado, mal humorado, as pessoas pedem. Eu tento, pelo menos durante aqueles minutos, ser legal com elas. A abordagem é um reconhecimento.

O projeto Hotel D.O.M. está andando? É uma amarração de todos os seus ideais?
Está andando sim. Todas essas ideias vão estar presentes, mas o Hotel D.O.M. é um projeto empresarial, tem menos idealismo que o ATÁ, não é uma peça de arte, é um projeto que tem que dar dinheiro. Se eu falhar no hotel eu falhei na vida inteira. O risco é maior que o benefício nessa história, mas acho que é um caminho que eu tinha que tomar. Não vou deixar de ser cozinheiro nunca, mas cheguei numa fase que talvez eu possa mudar um pouco.

Quais os ingredientes fundamentais para uma boa mesa?
Tem uma coisa que não pode faltar em mesa nenhuma: o bom humor. Se estiver de mau humor, não se sente à mesa, não contamine as pessoas, ninguém merece isso.

Você pratica jiu jitsu e ouve muito rock’n roll…
Isso é incrível! Rock’n’roll é a espinha dorsal da minha vida. O punk rock, a intervenção… a tríade sexo, drogas e rock’n’roll… É a minha vida.

Reunião de pauta comandada pelo chef discutiu assuntos abordados na edição.

Qual a sua trilha sonora ideal para preparar uma boa refeição?
A minha vida tem trilha sonora, ainda que a minha cozinha não tenha. A trilha sonora da minha vida profissional é o silêncio. Preciso de 100% de concentração. É uma entrega grande.

Como é um jantar ideal para você?
Com alguém querido. Um jantar ideal é alguma comida e alguém incrível. Comer com gente chata não dá.

Qual o chef mais admira?
Tantos… Se eu tiver que citar um nome, é o de um cara chamado Andoni Luis Anduriz, do País Basco, na Espanha, que tem um restaurante muito controverso, o Mugaritz. Ele tem um ideal e transmite isso com a comida, ainda que desagrade. Queria ter essa coragem.

Gostou de ser editor do Metro?
Posso ser mais? É muito diferente que dar entrevista, o que, aliás, só faço por e-mail. Essa é uma exceção. Eu passei ideias e os editores estão interpretando essas ideias. Vou ver a minha mensagem vista por outras pessoas, entendida por outros cérebros. Lendo esta edição do Metro, vou aprender mais sobre o que eu falo.

Foto que foi transformada no selo de Alex Atala como editor convidado do Metro.

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