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Hands Across America: a corrente da solidariedade que quebrou; um fracasso benéfico

Uma análise do maior fracasso da história das campanhas beneficentes nos EUA

Nos instantes iniciais do filme "Nós", a personagem Adelaide Wilson se depara com uma imagem ao olhar pela janela da casa onde mora: uma família de mãos dadas formando uma corrente.

Momentos depois, ela descobre, da pior maneira o possível, que essa família é um clone da sua, literalmente, e que viveu no subterrâneo dos Estados Unidos como outras milhares de pessoas que também foram parte de um experimento científico que deu errado.

Ao longo do filme, nós, espectadores, descobrimos que "Nós" replica a mesma fórmula de "Corra", também de Peele: o terror da realidade. "Nós" é sobre a dualidade da natureza humana, o inconsciente, opressão sistêmica e, sobretudo, a culpa do privilégio.

Uma das características mais marcantes é que os clones das pessoas da superfície formam, no final do filme, uma corrente humana que atravessa todo o país, em referência a "Hands Across America", a campanha beneficente mais fracassada da história dos EUA.

A união faz a força

Todo mundo conhece a canção "We are the world", que reuniu 40 artistas da indústria musical em um estúdio para arrecadar fundos para o combate à fome na África. No entanto, poucos sabem que essa iniciativa inspirou Hands Across America.

O empresário e produtor musical Ken Kragen, após o sucesso de "We Are The World", decidiu criar o Hands Across America em 1986, com o intuito de aumentar a conscientização sobre a questão da fome e pobreza nos EUA.

A ideia era que os norte-americanos formassem uma corrente humana que se estenderia por cerca de 6.500 quilômetros durante 15 minutos, da costa leste à oeste, arrecadando fundos com doações entre US$ 10 e US$ 35 por participante.

Mike Jones/Pexels

Embora tenha sido amplamente divulgado pela mídia e tenha reunido cerca de 6 milhões de pessoas, incluindo celebridades e políticos, o Hands Across America enfrentou diversos obstáculos geográficos e climáticos.

As várias lacunas entre os participantes tiveram que ser preenchidas com fitas, cordas ou faixas para minimizar o impacto do fracasso. A arrecadação, que deveria chegar a até US$ 100 milhões, atingiu apenas US$ 34 milhões, dos quais US$ 15 milhões foram distribuídos para caridade após a dedução dos custos do evento.

A correlação entre Hands Across America e "Nós" de Jordan Peele reside na representação da cegueira da sociedade norte-americana para as questões sociais que existem logo abaixo da superfície do país.

Em 1986, cerca de 35 milhões de pessoas viviam abaixo da linha da pobreza nos EUA, enquanto o então presidente Ronald Reagan alegava que a falta de conhecimento era a causa da fome no país, ignorando o impacto de suas próprias políticas econômicas.

Timur Weber/Pexels

Assim, Hands Across America entrou para a história como um evento pretensioso que tentou ser a solução para um problema que a sociedade acreditava não existir, sem atacar as raízes reais da questão da fome e pobreza nos Estados Unidos.

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