Uma operação deflagrada na Cracolândia, no Centro de São Paulo, visou acabar com um esquema que movimentou mais de R$ 3 milhões extorquidos de comerciantes e fornecia armas para traficantes de drogas que atuam na região. Segundo as investigações, três guardas-civis metropolitanos e um ex-agente da Guarda Civil Metropolitana (GCM) são suspeitos de envolvimento com o crime organizado.
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A “Operação Salus et Dignitas” foi realizada na terça-feira (6) e cumpriu mais de 200 mandados de prisão, busca e apreensão, sequestro e bloqueio de bens e suspensão da atividade econômica de prédios comerciais na Cracolândia. Além dos quatro GCMs, um casal de traficantes e o funcionário de uma empresa de comunicação também foram alvos de mandados de prisão.
Deste total, foram detidos Leonardo Moja, o “Léo do Moinho”, que é apontado como um dos chefes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) na Favela do Moinho; Janaína da Conceição Cerqueira Xavier, suspeita de traficar drogas; e Valdecy Messias de Souza, funcionário de uma empresa de comunicação suspeito de vender aparelho que dava acesso à frequência de rádio das polícias.
Já estavam detidos os GCMs Antonio Carlos Amorim Oliveira e Renata Oliva de Freitas Scorsafava, que são suspeitos de participar do esquema de extorsão dos comerciantes na Cracolândia. Seguem foragidos os guardas Rubens Alexandre Bezerra e Elisson de Assis.
As defesas dos presos não foram encontradas para comentar o assunto até a publicação desta reportagem.
Esquema criminoso
A Cracolândia é conhecida por concentrar um grande número de usuários de drogas e pessoas em situação de rua. A região se tornou um território de disputa que envolve a especulação imobiliária. Durante um ano, promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo e policiais investigaram a atuação criminosa na região.
Os trabalhos descobriram que a quadrilha dividia em diferentes ramos de atuação: os GCMs cobravam propina de donos de estabelecimentos comerciais da área para obter a segurança de seus bens. Também são suspeitos de ligação com o esquema policiais militares e civis. Eles tinham uma “lista de colaboradores de boa fé que pagaram a segurança”, que mostrou quais comerciantes eram vítimas das extorsões, sendo que pelo menos R$ 3 milhões foram movimentados.
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Outra frente do esquema era a atuação de empresários do ramo de ferro-velhos, que exploravam a mão de obra de dependentes químicos da Cracolândia. Eles receptavam fios de energia furtados da rede pública, sendo que até crianças participavam do comércio irregular.
Ainda segundo as investigações, o grupo também montou um esquema para receptação de celulares roubados. Os aparelhos eram roubados por bandidos conhecidos como a “gangue da bicicleta” e levados até comerciantes libaneses. Estes, ficavam responsáveis por revender os telefones.
A operação também descobriu o envolvimento de uma rede de hotéis e hospedarias mantidas na Cracolândia pelo PCC, que, além de ser usada para exploração sexual de mulheres e até menores de idade, também servia de sede de “tribunal do crime” para os traficantes. Os locais, inclusive, eram chamados de “ninhos de celulares”, já que aparelhos roubados também eram negociados.
Por fim, a investigação descobriu que o grupo criminoso montou uma base na Favela do Moinho, erguida bem ao lado de uma linha da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Era de lá que o PCC dava as ordens para a atuação do tráfico na Cracolândia, sendo que o local também servia de base para depósitos de armas e drogas, além da atuação de “tribunais do crime”.
Ainda na favela, os policiais descobriram que os criminosos usavam um rádio, no qual conseguiam ter acesso à frequência das forças de segurança. Dessa forma, eles conseguiam se antecipar e fugir das operações.
O que disseram o governo e a prefeitura?
O governador do estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que acompanhou a operação em um dos helicópteros da PM, escreveu nas redes sociais que o objetivo da operação é “devolver o Centro às pessoas”. No entanto, ele não comentou o envolvimento de GCMs e policiais nas atividades criminosas.
“O foco principal é esse ecossistema que trabalha com o tráfico de drogas, a atuação do crime organizado que é controlado pelo PCC. É o PCC que acaba controlando o fluxo, mas não só o fluxo, todas as atividades criminosas de interesse da facção. A operação era fechar os pontos de apoio do PCC na Cracolândia”, disse o governador.
Já o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), afirmou que a administração municipal não sabia da atuação de milícias na capital paulista.
“A Prefeitura desconhece milícia na cidade de São Paulo e tem regime rígido com a GCM. Temos 7.500 homens e mulheres para defender o cidadão da cidade. Nós temos dois GCMs [presos na operação] que foram expulsos da Guarda Civil, um deles, a Prefeitura pediu a prisão ao MP, tal o rigo da cooperação. Não vai ser, um dois, quatro, cinco que vão manchar 7.500 GCMs”, afirmou o prefeito.
Em nota, administração informou que, “seguindo uma determinação do Prefeito Ricardo Nunes, solicitou, em junho de 2023, ao Ministério Público a prisão preventiva do guarda civil metropolitano Elisson de Assis. O pedido constou de notícia-crime protocolada ao GAECO. O processo foi arquivado pelo Ministério Público em janeiro deste ano, mas a Prefeitura continuou apurando as denúncias envolvendo o agente. O processo de expulsão de Elisson de Assis está concluído”.
A nota também diz que “Antônio Carlos Amorim Oliveira e Renata Oliva de Freitas Scorsafava já foram afastados e o processo de expulsão está em andamento. Rubens Alexandre Bezerra foi expulso da corporação em 31/07/2019″.