Foco

Discriminação pode causar doenças à população LGBTQIA+; entenda o que é estresse de minorias

Estudo revelou alterações na frequência cardíaca e pressão arterial em grupo exposto a ataques preconceituosos

Doenças causadas pelo estresse de minorias Jcomp/Freepik/Divulgação

A discriminação aos integrantes da comunidade LGBTQIA+ pode causar uma série de problemas que vão além da violência, seja ela verbal ou física – o que já não seria pouca coisa. Recentemente, um estudo publicado pela Health Psychology revelou que lésbicas, gays e bissexuais, quando expostos a ataques preconceituosos, podem desenvolver doenças. Isso porque o corpo reage aos comentários e eleva a pressão arterial. Sim, a homofobia adoece e pode matar. O fato está mais claro do que nunca.

ANÚNCIO

Para se chegar à conclusão, mais de 100 americanos foram informados de que passariam por entrevistas para que sua inteligência e competência fossem avaliadas. Acontece que um grupo foi levado a crer que seria interrogado por opositores a políticas que visam os direitos da população LGBTQIA+, enquanto outro acreditou que conversaria com simpatizantes da causa.

Os participantes do primeiro grupo experimentaram alterações maiores na frequência cardíaca e pressão arterial. Além disso, o cortisol (hormônio do estresse) aumentou apenas entre eles. Os pesquisadores ressaltaram que, a longo prazo, essas reações fisiológicas geram risco elevado para doenças cardiovasculares e infecciosas.

Há algum tempo, as pesquisas vêm mostrando que a discriminação afeta o organismo significativamente. Neste contexto, surge o chamado estresse de minorias, que engloba não apenas gays, mas negros, deficientes, indígenas e praticantes de determinadas religiões.

Mas afinal, o que é estresse de minorias?

O conceito defende que as minorias de uma sociedade vivem fatores de estresse adicionais aos do cotidiano, o que interfere em sua saúde mental. Muitas vezes, essas pessoas crescem internalizando violências e escondendo quem verdadeiramente são – uma enorme carga para se levar pela vida.

“Já temos indicativos suficientes de que há uma presença de alterações de diversas ordens em indivíduos que sofrem preconceitos – emocionais, cognitivas, psicossociais e físicas. Por mais que a gente ainda separe corpo e mente, a ciência tem provado que essa divisão não existe. Tudo funciona de maneira conjunta”, explica Sandra Spósito, psicóloga, membro do CFP (Conselho Federal de Psicologia) e autora de uma tese de doutorado sobre a homossexualidade na psicologia.

Sandra lembra que o estresse sempre gera uma série de alterações: respiração ofegante, sudorese e estado de atenção intenso, ocasionando um desgaste corporal. “Uma população atingida pela violência mantém esse estado de alerta por muitas horas, às vezes pelo dia todo. Imagine um homossexual que trabalha em um ambiente homofóbico, que tem uma família que também não o aceita e uma religião que o recrimina. As alterações fisiológicas vão provocando danos. Na saúde mental, são comuns quadros de ansiedade, síndrome do pânico e depressão.”

ANÚNCIO

Acolhimento como saída

Pixabay/Divulgação

Segundo a especialista, é importante que profissionais da área da saúde estejam preparados para identificar o estresse de minorias. Para aqueles que sofrem a discriminação na pele, o apoio médico e psicológico é muito bem-vindo e o ajuda a se fortalecer.

“Costumo fazer uma analogia bem simples. Se você tem problemas pulmonares e vive em uma cidade poluída, nem sempre se mudar é uma opção. Nesse caso, você procura um médico, faz natação, busca alternativas para enfrentar o ambiente. O mesmo pode se dar com a homofobia. Ir atrás de grupos de apoio, amigos e especialistas vai ajudar”, aconselha Sandra, que garante que as sensações de pertencimento e acolhimento previnem o agravamento do estresse.

Podemos esperar por uma mudança social?

Analisando um contexto mais amplo – o da sociedade como um todo – o debate ganha ainda mais complexidade. «Precisamos entender que o enfretamento da LGBTfobia não é só uma questão de direitos, mas também de saúde”, afirma Sandra.

Para a psicóloga, muito já se avançou, por meio de discussões na imprensa, na literatura, através de pesquisas e nas áreas de educação e saúde. Já se conseguiu, pelo menos, mostrar que os preconceitos precisam ser enfrentados. “Mas no campo da efetividade, chocamos contra grupos que discordam dessa bandeira e que entendem que a homossexualidade é um problema. Algumas dessas pessoas ocupam cargos de poder que tiraram, por exemplo, a questão da diversidade humana do currículo escolar. Enxergo um retrocesso, que precisamos combater com diálogo.»

O papel das empresas na causa LGBTQIA+

Pixabay/Divulgação

Não raro, o mercado de trabalho é cruel com pessoas LGBTQIA+. Sérgio, que preferiu ter seu sobrenome omitido nesta reportagem, é um dos muitos homossexuais que já sofreu na pele o preconceito no ambiente profissional.

“Eu era professor em uma escola na cidade de Mauá, na Grande São Paulo, e a diretora me perseguia por eu ser gay. Certa vez, dentro da sala de aula, ouvi ela dizer a um colega professor que não gostava de viadinhos, em uma clara referência a mim. Pensei em rebater, mas acabei engolindo. Fui mandado embora tempos depois”, lembra.

A experiência fez com que Sérgio nunca mais quisesse voltar ao universo da educação. Infelizmente, acabou encontrando barreiras em outras áreas também.

“Fui trabalhar como promotor de vendas. Em um dos mercados em que atuei, cheguei a ser humilhado e expulso. Essas situações abalam a gente, claro. Mas graças a Deus consegui superar os obstáculos.”

Sérgio tem hoje 50 anos. Trabalha com zeladoria e sonha em se dedicar à arte. Ele diz nunca ter recorrido à ajuda psicológica, diferentemente de outros gays, lésbicas e trans que só conseguem se reerguer após situações como essa com ajuda profissional.

Em meio a essa realidade, muitas empresas têm se posicionado a fim de tentar tornar o mundo corporativo mais acolhedor, entendendo aos poucos sua responsabilidade social.

Pixabay/Divulgação

“O RH tem papel central no enfrentamento do estresse de minorias. A diversidade e a inclusão devem ser abordadas de maneira consistente, com base em diagnósticos precisos que auxiliem na compreensão e na identificação de potenciais riscos de saúde mental em populações minoritárias”, explica Ana Carolina Peuker, CEO e fundadora da Bee Touch, startup que desenvolve soluções tecnológicas em saúde e bem estar para profissionais e organizações.

Ana Carolina afirma que, apesar da premissa, locais de trabalho inclusivos e psicologicamente seguros ainda são raros. “Embora muitas empresas apoiem a causa, grande parte não sabe realmente sobre as experiências reais vividas pela população LGBTQIA+. Por isso, o RH deve estar atento a todos os seus processos, desde a ofertas de emprego, benefícios para a saúde, estrutura física e políticas. Isso inclui desde a comunicação, com uma linguagem não sexista, até os valores que são mantidos no ambiente organizacional.”

É função do RH das empresas, por exemplo, oferecer treinamento e estar preparado para realizar diagnósticos para identificar as demandas reais de seus colaboradores. “O primeiro passo é reconhecer o impacto do estresse de minorias nos colaboradores LGBTQIA+ e as consequências disso na saúde mental. As empresas precisam também realizar mudanças concretas. Hoje, políticas que levam em consideração famílias diversas, por exemplo, são fundamentais”, aponta a especialista.

A partir do momento em que as companhias chamam pra si a responsabilidade de tornar seus ambientes mais confortáveis a todos, inclusive às pessoas LGBTQIA+, os benefícios não demoram a chegar. “Quando os colaboradores se sentem livres, sem ter que se preocupar com as possíveis repercussões do que as outras pessoas pensam a seu respeito, se sentem menos vulneráveis ao estresse e tornam-se mais motivadas, criativas e aptas a resolver problemas. Um estudo realizado pelo Google revelou que as equipes com alta segurança psicológica superaram suas metas em 17% em média, enquanto aquelas com segurança psicológica baixa têm perdas de 19%”, ressalta.

Para além dos ganhos individuais, investir em medidas de fato inclusivas contribuem até mesmo para o desenvolvimento da economia como um todo. “As práticas ajudam no crescimento dos negócios e, portanto, no desenvolvimento das nações. Essa sustentabilidade não pode ficar restrita a projetos sociais financiados pela empresa. Deve incluir ações sistêmicas, que estejam na estratégia do negócio. Sem pessoas psicologicamente saudáveis não há engajamento e alta performance. Para se manterem competitivas, as empresas terão de repensar a forma como interagem e apoiam tanto seus colaboradores quanto sua comunidade e o planeta”, finaliza Ana Carolina.

ANÚNCIO

Tags


Últimas Notícias