O número de ciclistas mortos no trânsito da cidade de São Paulo subiu 63,6% em 2019, segundo dados do Sistema de Informações Gerenciais de Acidentes de Trânsito de São Paulo (Infosiga). Para especialistas, a alta pode estar ligada a comportamento de risco de usuários de bicicleta e também ao aumento de serviços de entrega por bike.
LEIA MAIS:
Seis presos são recapturados após fuga de penitenciária no Acre
São Paulo gastou R$ 1,7 bilhão para despoluir rio Tietê desde 2011
O Infosiga, plataforma virtual do governo do Estado de São Paulo, aponta que 36 ciclistas morreram na capital paulista no ano passado. Em 2018, foram 22. O aumento expressivo contrasta com o quadro geral da cidade, que registrou ligeiro recuo de 1,5% nas mortes no trânsito. Ao todo, foram 874 óbitos – ou uma ocorrência a cada dez horas -, ante 888 vítimas no ano anterior
Recomendados
Mãe de influencer grávida que morreu de dengue pede protocolo para atendimento de gestantes
Mulher morre atingida por bala perdida enquanto estava sentada em banco de praça, no litoral de SP
Pai que matou a filha cumpria pena em regime aberto após ‘bom comportamento’ na cadeia
Especialistas de trânsito afirmam que o aumento do uso de bicicletas e o comportamento de parte dos ciclistas podem ajudar a explicar a alta. «Uma hipótese é que eles estejam se colocando mais em risco, talvez em função de aplicativos», diz o engenheiro de tráfego e consultor Horácio Augusto Figueira. «Para ter certeza, é preciso ter acesso a dados mais qualificados.»
Para Figueira, a cidade deveria oferecer mais ações educativas voltadas para o grupo, além de fiscalização. «Não há carta de habilitação para bicicleta, então muitos não têm noção de risco e não respeitam as regras de trânsito», afirma. «Tem de espalhar uma série de placas educativas, uma em cada esquina.»
Diretor-presidente do Observatório Nacional de Segurança Viária, José Aurélio Ramalho também diz ser necessário investir em educação de trânsito. «Há muita ciclovia e ciclofaixa na cidade, ou seja, foi oferecida infraestrutura», diz. «Mas em nenhum momento alguém chegou e falou: ‘Tem de respeitar a lei de trânsito’.»
«O cidadão não sabe as regras. Muitas vezes, tem medo de andar na rua e vai pedalar em cima da calçada ou na contramão. Isso é mais perigoso para ele e para os demais», acrescenta ele. Na visão de Ramalho, falta desenvolver «percepção de risco» no trânsito de São Paulo – e não só para bicicletas. «Enquanto ele não perceber que corre perigo, não vai mudar.»
Modais
Entre as categorias de vítimas, houve queda de 13,8% no índice de óbitos de motociclistas. Foram registradas 311 ocorrências em 2019, ante 361 no ano anterior.
LEIA MAIS:
Anvisa aprova proposta que simplifica importação de produtos à base de canabidiol
Quase 1 milhão de estudantes se inscreveram no Sisu no primeiro dia
Já os dados relacionados a pedestres, o principal grupo de vítimas, e pessoas em automóveis praticamente ficaram estáveis. No primeiro, houve 1,8% de registros a mais em São Paulo (de 374 para 381). No outro, o comportamento se inverteu: 1,8% a menos (de 108 para 106).
Por sua vez, os óbitos em caminhão subiram de 2 para 15. «Não há nada a comemorar nos índices da cidade», diz Ramalho. «São Paulo precisa de uma política pública clara, não de governo ou de partido, que indique qual vai ser a redução em determinado período e o que vai ser feito para isso.»
Mudanças
Questionada sobre os números do trânsito, a Prefeitura destacou o lançamento, em dezembro, do novo Plano Cicloviário da cidade, que prevê a criação de 173 quilômetros de ciclovia e 310 quilômetros de reformas e melhorias na malha já existente.
A gestão do prefeito Bruno Covas (PSDB) disse que os dados do Infosiga contribuem para a análise dos registros de acidentes na capital. Os dados levam a medidas para redução de ocorrências graves e mortes no trânsito, completou a administração municipal
«A mudança de comportamento e o respeito às leis de trânsito salvam vidas e reduzem acidentes. Por isso, no fim de novembro, a Prefeitura lançou o Movimento pela Vida Segura no Trânsito – Hoje Não! Trata-se de uma extensa campanha sobre segurança viária», informou, em nota.
A Rappi disse que a segurança dos entregadores parceiros é «primordial» para a empresa. «A Rappi orienta que seus parceiros observem as regras de trânsito e usem materiais de proteção pessoal, além de enviar constantemente dicas de segurança a eles», disse, em nota. A empresa afirmou ter desenvolvido o botão de emergência que pode ser acionado em caso de acidentes, por exemplo.
O iFood afirmou que é preciso evitar conclusões precipitadas sobre a relação de acidentes com a atividade de entregadores. Disse ainda desenvolver ações sobre a importância dos equipamentos de segurança e o respeito às leis de trânsito. O Uber Eats não comentou.
LEIA MAIS:
Em ano eleitoral, maioria dos paulistanos diz não se envolver na vida política de São Paulo
PM investiga policiais por agressão na zona sul de São Paulo; veja vídeo
Desrespeito
A calçada do McDonald’s da Avenida Ipiranga, no centro de São Paulo, fica frequentemente cheia de bicicletas de entregadores que aguardam pedidos vindos da região ao longo do dia. É uma base informal para eles, que reclamam da falta de apoio.
Nas ruas, nenhum respeito vem dos motoristas ou motociclistas, que não mantêm uma distância mínima de segurança e colocam a vida de todos em risco, segundo relatam. Nas calçadas, onde passam a andar como alternativa, tampouco são bem recebidos pelos pedestres. E, em acidentes, afirmam não receber apoio das empresas de aplicativo.
O grupo de Ítalo Thiago Costa, de 26 anos, esperava na tarde desta terça-feira, 21, o início do horário de pico, quando os pedidos chegam com mais frequência. A insegurança ao andar pelas ruas, diz, é comum. Ao subir a Rua Augusta recentemente, ele se envolveu em uma briga com um taxista que parou abruptamente na sua frente e abriu a porta. «E ele falou que eu estava errado em andar na rua. Não tem ciclovia lá. O que vou fazer?»
Os motoristas dividem com os aplicativos o foco das reclamações de Costa. Para ele, as empresas também poderiam fornecer aos entregadores equipamentos de segurança como capacete e luzes de alerta para as bicicletas. «Eles só nos fornecem a bag (mochila usada nas entregas) e um carregador portátil para o celular. Ou seja, nos querem na rua trabalhando o dia todo, mas não estão dispostos a nos oferecer o mínimo de apoio», conta ele.
‘Contas a pagar’
O entregador Rafael Tavares Silva, de 27 anos, sentiu na pele na semana passada a falta de apoio e a insegurança no trânsito. Fazendo uma entrega na Rua Japurá, na Bela Vista (região central), sofreu um acidente que deixou ferimentos em seu rosto e no ombro, além de um dente quebrado. Ele diz não se lembrar exatamente das circunstâncias da queda que o levou ao hospital por causa da pancada na cabeça. Apesar do trauma, Silva quer voltar o quanto antes a trabalhar. «Tenho contas para pagar», resume.
A bicicleta que usava para trabalhar era emprestada depois que a dele foi roubada durante uma entrega. Foi o primo, Willian Rodrigues, de 24 anos, quem pegou para ajeitá-la. Rodrigues, que também é entregador de aplicativo, cobra mais educação no trânsito. «Às vezes, nem na ciclovia há respeito», diz Rodrigues.