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Filha de Olavo de Carvalho fala sobre infância, afirma que pai é ‘desequilibrado’ e ‘líder de seita’; leia entrevista

Mesmo afastado técnica e geograficamente do governo brasileiro, o filósofo e astrólogo Olavo de Carvalho é um dos nomes mais influentes entre governistas e partidários de Bolsonaro. Colecionando seguidores entre os maiores e menores cargos no Planalto, o «guru» criou seu próprio exército de «olavistas», pelos quais influencia e opina diretamente nos mandos e desmandos do governo.

Hoje morando nos Estados Unidos, Olavo começou sua vida e seus estudos no Brasil. Aqui, ele constituiu família: casou-se mais de uma vez e chegou a ter oito filhos. No entanto, não são todas as suas crias que compartilham a adoração que governistas parecem ter por seu pai.

Heloisa, uma das filhas do astrólogo, é opositora vocal à ele. Em novo livro, em pré-venda, ela conta sua versão da vida com Olavo de Carvalho – e sustenta que o homem por trás do «olavismo» é muito diferente do que parece ser.

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Na quarta-feira (8), ela foi entrevistada pelo programa «90 Minutos», da Rádio Bandeirantes, de apresentação do jornalista Luiz Megale. Confira a entrevista de Heloisa de Carvalho, autora de «Meu Pai: O Guru do Presidente — A Face Ainda Oculta de Olavo de Carvalho»:


Heloisa, antes de mais nada, como está sua relação com o seu pai hoje?
Desde mais ou menos agosto, junho ou julho de 2017 eu não falo com ele e nem com nenhum familiar meu.

Você já deu entrevistas reclamando do abandono intelectual ao que você foi submetida pelo Olavo ainda na infância. O que é o abandono intelectual?
Eu e mais três irmãos, filhos do primeiro casamento do Olavo de Carvalho, não tivemos escola. Eu fui estudar com 14 anos de idade, quando fui morar com uma tia materna, professora, que lutou a vida toda para eu estudar. Meu irmão depois de mim tem a quarta série do ensino fundamental, o outro tem a terceira série, e o outro irmão não tem nem o primeiro aninho.

Por que? Foi uma decisão pessoal do Olavo?
Porque era um descaso. Ele pregava cultura, astrologia, lia muito, mas deixava os filhos soltos no mundo, vamos dizer assim. Educação, escola, leitura, cinema, teatro, isso nunca foi um objetivo dele aos filhos. O abandono não foi só de escola, foi cultural. O pouco que eu tive acesso a cinema e teatro foi depois de adolescente, quando eu fui morar com a minha tia.

Você se sentiu, digamos, trocada pelos estudos do seu pai?
O mundo sempre girou em torno dele. Isso desde que eu me conheço por gente. As coisas pra ele giram em torno dele. O importante é ele, em todos os sentidos. Então não foi uma nem duas vezes que meu pai comprava livros, gastava o dinheiro que ele recebia em livros, e nós passando necessidades, com a luz e  água cortadas, ações de despejo. E ele sempre frequentando bons restaurantes, boas livrarias.

Isso foi em que ano, e vocês moravam onde?
Foi mais ou menos nos anos 1970. Eu nasci em 1969. Eu me lembro de, pequena, morando em Ubatuba, onde meu pai era hippie, minha mãe era hippie, e eu sem escola. E isso perdurou a vida toda. Então anos 1980, na escola de astrologia, e depois, anos 1990, lá na seita islâmica ocultista que ele montou. A vida toda foi um descaso, assim.

E quando mudou? Você disse que aos 14 anos foi morar com uma tia, como foi essa saída de casa?
Quando meu pai casou de novo, em 1981. Isso foi quando aconteceu a tentativa de suicídio da minha mãe. A gente estava despejado, passando necessidade, e meu pai já com a «namoradinha», que virou esposa dele. Quando minha irmã, filha da minha madrasta, tinha entre um ano e meio e dois anos, a situação de convivência na casa com meu pai, minha irmã e minha madrasta estava insuportável. Ele viajava para dar aulas de astrologia.

Ela, por ter sido de uma família rica, sempre foi criada com empregada, mordomo e motorista. De repente, casou com um cara que não estava nem aí pra casa, pra família, pra alimentação dos filhos. Então o que ela fazia era pegar o carro dela, ir pra casa dos parentes dela, principalmente pra vó dela que mora num bairro super nobre em São Paulo com motorista, mordomo e cozinheira. Passava o dia lá com a filha dela, e eu jogada numa casa sem comida, sem nada, sem escola, sem roupa limpa.

Então assim, eu aprendi a me cuidar desde muito cedo. Claro, eu aprendi sozinha. Eu não sabia lavar uma roupa direito. Eu sabia fazer uma comidinha, um macarrão. Eu aprendi sozinha. Por conta do abandono que eu tive.

Nesse período, depois da tentativa de suicídio da minha mãe, meu pai internou minha mãe no hospício. E pegou meus três irmãos e jogou na casa da minha vó materna. Jogou lá. Fiquei anos sem ter contato com meus irmãos por conta disso, meu pai não estava nem aí com eles, e me «catou» porque eu era mais velha, eu sempre fui muito chegada a ele, muito próxima.

Mas quando chegou nessa situação com a minha madrasta e o meu pai, eu realmente me vi em situação de desespero. Eu tinha 13 pra 14 anos, sem comida, sem roupa. Eu vivia de roupa doada. Era um absurdo porque os alunos doavam, tinham dó. Não foi uma nem duas vezes que as pessoas me levaram para cortar meu cabelo, para tirar piolho da minha cabeça. Porque eu era criada jogada. Era um abandono.

Você percebia isso na época, Heloisa? Você falou que era muito próxima dele, você ainda tinha uma ligação emocional com ele nessa época?
Sim, eu sempre gostei muito do meu pai. Eu não tenho ódio do meu pai. As pessoas acham que tudo que eu faço é por ódio, por raiva, não é. Meu objetivo não é esse, nunca foi esse. Já tive problemas com ele, e todos os que eu tive realmente tentei solucionar. Sempre telefonei pra tentar conversar, não é esse o problema, meu objetivo não é esse. Assim, a «menininha abandonada» que hoje tem 50 anos de idade e é «revoltada» porque o «papai não deu colo». Não é isso.

A questão toda é essa influência que ele tem no governo e, por consequência, no país. A dimensão que tomou o nome dele no Brasil. E vem vendendo uma imagem que não existe. Não existe. Ele construiu esse Olavo de hoje. Até 2017, eu realmente tinha achado que ele tinha mudado como pessoa nesse sentido de ser mais humano, cuidar mais da família dele, mas não.

Quando houve um problema lá com o pessoal do filme, que eu resolvi tomar partido – do diretor de fotografia que foi humilhado, sacaneado mesmo pelo Olavo e o diretor do filme.

Desculpe, esse filme é o «Jardim das Aflições»? Que é um documentário sobre o Olavo de Carvalho. Muita gente não está familiarizada com esta história, o que aconteceu?
O diretor do filme deu um «chega pra lá» no diretor de fotografia. O diretor de fotografia era um rapaz cineasta, pelo que avaliei no currículo de ambos, o de fotografia tem um currículo bem mais extenso e qualificado que o outro diretor. O menino era de esquerda, brigou com todo mundo na esquerda e foi para os Estados Unidos filmar o filme do Olavo, trabalhou muito de graça, passou muitas situações e foi muito atacado pelo posicionamento radical de esquerda ao virar «olavete». Bom, chegou um ponto, terminou o filme, deram um chega pra lá no cara. «Agora cê cata sua troxa e vai embora».

Então assim, em todas as entrevistas não chamaram o rapaz, não citavam o nome do rapaz, e ele se sentiu ofendido, usado, e posto de escanteio. E eu estou vendo essa briga na Internet. Eu tinha amizade no Facebook com todos, mas não conversava com ninguém. E estava acompanhando a briga.

Um certo dia, tô vendo lá o Olavo xingar e humilhar o rapaz… Entrei em contato com o rapaz e falei, «não quer contar pra mim o que tá acontecendo?». «Então Heloísa, à noite ele me telefonou…». E enquanto ele foi contando, eu pensei, meu Deus. A coisa não mudou nada. Esse modus operandi de pegar as pessoas, usar e depois cuspir não parou. Continua. Era só uma casca e essa casca se quebrou com essa situação dos diretores do filme.

Resolvi pegar o telefone e falei, «olha, posso interceder junto ao meu pai em seu nome?». «Claro, Helô, puxa, obrigado». Liguei para o meu pai no dia seguinte, e comecei a conversar. Falei, «olha, pai, a situação do rapaz é essa, o problema é esse, o que vocês estão fazendo é sacanagem». «Ah, eu não tô fazendo nada». Eu falei «tá, tá xingando, humilhando». «Não, não, o problema é com outro».

Eu conheço meu pai. A turma do meu pai não mexe um dedo sem autorização dele. E sempre ele teve, por hábito, desde os anos 80, instigar as pessoas para atacarem as outras. Então ele sempre se faz de santo, ele nunca faz a coisa diretamente. É muito raro. E quando faz, é essas chacotas de ficar colocando apelido infantil nos outros… Mas ataque, não. Ele usa os outros.

Do mesmo modo que arrumou um perfil, em 2017, de uma moça, onde a moça escrevia uma carta aberta pra mim, me xingando de tudo que é nome, contando inverdades sobre a minha vida, um perfil que durou 5 dias no Facebook… Sumiu em 2017, até hoje não apareceu. E quando perguntei quando era a moça, o Olavo falou, «filha de uma ex-aluna minha». Mas cadê essa moça? Aí, o pessoal que me segue começou a ir atrás e descobriu que o avatar dessa moça era uma foto de uma modelo internacional, comprada num site americano de vendas de imagem. Cadê essa moça?

Quem é que você acha que escreveu esse texto, Heloísa?
Pelo que consta ali, foi alguém ligado a ele, que sabia alguns fatos da minha vida e distorceu totalmente. Dizia que eu trabalhava de puta, coisas desse nível. A única coisa que ela relata lá, realmente, é sobre a tentativa de suicídio da minha mãe. Ela diz lá que eu fiquei histérica. Vamos dizer a verdade, uma menina de 10 para 11 anos vê a sua mãe numa banheira ensanguentada com dois pulsos cortados. Ela vai ser muito coerente, muito consciente, pegar o telefone, ligar para a emergência? Então, realmente, eu fiquei em pânico. Inclusive fui eu que achei minha mãe na banheira.

Heloisa, o fato é que seu relato confirma algumas das impressões sobre o Olavo, inclusive algumas das positivas – que trata-se de um homem muito culto, muito estudado, que leu muito de tudo, tanto é que negligenciava os próprios filhos para comprar livros. E muita gente, tenho impressão, vai se apegar a esse trecho do relato, e não ao «homem» Olavo de Carvalho. Por que você acha que ele tem tanta influência – que ele se torna praticamente um guru, um pastor, um deus para tanta gente?
Quem já me ouviu no passado, em algumas entrevistas e mesmo em vídeos que eu faço no meu canal do YouTube, eu relato ali que sempre houve uma questão de saúde mental. Qual? Não sei. Mas você vê que ali tem um problema sério. Inclusive ele, quando moço, foi internado numa clínica psiquiátrica, ficou lá um período. Eu cheguei a visitá-lo duas ou três vezes, minha mãe me levou. Eu tinha por volta de cinco anos. Eu lembro de algumas cenas dessa clínica. E ele fugiu. Uma certa noite, eu sou acordada, minha mãe enfia eu e meus irmãos no carro de um dos amigos dele, e mudamos para Iguape, na calada da noite, abandonando móvel, roupa, brinquedo.

E o Olavo lá também, meio que numa situação de fuga. Ficamos morando em Iguape um bom tempo, não sei precisar quanto. Claro que eu e meus irmãos sem escola. Eu vivia na rua brincando, na praia. Para vocês terem ideia, Iguape tem a Ilha Comprida. E para chegar na Ilha Comprida, usa-se balsa. Eu ia sozinha para a praia. Nessa idade. Sim. Era jogada, ninguém estava nem aí se eu caísse da balsa, se eu fosse atropelada, entendeu, eu ia para a praia sozinha. Criei um amigo nesta época que devia ter por volta de uns vinte anos na época, era um pescador, é meu amigo até hoje. Até hoje eu tenho relacionamento com essas pessoas, de amizade.

Então assim, que tem essa questão médica, tem. Isso é óbvio, qualquer um percebe um desequilíbrio emocional que ele tem, inclusive nos ataques aos desafetos, no modus operandi dele. E não foi tratado no momento certo, na época certa. Ele sempre foi uma pessoa extremamente vaidosa nesse sentido de querer ser importante, reconhecido, renomado. Então graças a esse tipo de personalidade as sociedades dele nunca duraram, as amizades nunca duraram… Amizades, tem poucas que estão com ele desde o meio dos anos 1980 para cá. Muita gente se debandou. E todas essas pessoas, que nem todos os ex-sócios dele, eu tenho amizade até hoje. São pessoas que eu tenho contato, eu converso. O ex-editor dele, que ele sacaneou, pegou uma grana do cara e não devolveu, não escreveu os livros que tinha que escrever. Eu tenho «print» dele falando isso, que pegou a grana pra reformar a casa do editor, com compromisso de escrever os livros que ele nunca escreveu.

A questão aflorou, ele sempre teve essa gana de poder, de influência, de comando, de líder de seita mesmo. Ele tem uma norma que é assim, «na minha casa pode fazer o que quiser, quando eu mandar parar, é pra parar». É uma frase extrema, de uma pessoa extremamente autoritária, e ao mesmo tempo desequilibrada. E realmente, ele sempre cumpriu essa frase. Se a gente quisesse, quando criança, por fogo dentro da nossa casa, a gente colocava. E ele ia dar risada. Entendeu? Sempre assim.

Por que você acredita que o presidente Jair Bolsonaro se apegou tanto ao seu pai? Você tem alguma ideia, sabe se essa relação é antiga?
Pelas minhas investigações, eu descobri que a relação com o Eduardo Bolsonaro tem quase 10 anos. Qual é a intensidade dessa relação, não sei. Não sei se nesses dez anos ele é aluno, ele é amigo, amigo de amigos… Mas descobri essa relação do Eduardo ser «olavete» há quase dez anos. A relação com o (Jair) Bolsonaro em si eu não vejo tanta. Eu não acredito que ele pegue o telefone e ligue para o Bolsonaro, não, eu não acredito nisso. Mas eu acredito que ele pegue o telefone e ligue para o Eduardo ou vice-versa. Ou mesmo o Flávio, ele estiveram na casa do Olavo. O Eduardo no mínimo umas quatro vezes. O Flávio, uma ou duas. Então assim, é uma relação de amizade, de intimidade, de frequência. E, por conta dessa personalidade, de líder de seita, de voz de comando e tudo, pegou-se também pessoas suscetíveis a caírem numa seita.

Você chama de «seita», Heloisa?
Eu chamo de seita, é uma seita. É o modus operandi de seita, é a estrutura de seita, é comportamento de seita. Quando o líder é atacado, vem aquele bando de zumbi defendê-lo e atacar quem atacou. Eu passei situações em 2017 e 2018, assim, inacreditáveis por conta disso.

Eu moro em Atibaia, interior de SP, uma cidade pequena. Eu não sou famosa na cidade, mas também não sou uma desconhecida. Sempre trabalhei muito com público, então eu conheço muita gente. E assim, fui perseguida em supermercado, por «bolsominion», sabe, com atitude de intimidar. De tentarem por fogo na minha casa. Ser perseguida no trânsito por carro, sabe, intimidando.

Uma coisa que eu sempre deixei muito claro, e o Olavo sabe disso: de todos os oito filhos dele, a única pessoa corajosa sou eu. A única pessoa que sempre enfrentou a vida sou eu. Então eu nunca tive medo de nada. Eu sempre enfrentei com muita coragem.

Eu realmente não tenho medo. Não culpo quem tenha medo, eu sei o quanto esses «olavetes» são violentos nos ataques. Eu conheci muita gente que achou me achando na internet por conta de ter sido atacada na internet por esses «olavetes», e vinham relatar pra mim. Eu fui ameaçada de morte várias vezes, e sabe o que eu fazia? Acabava descobrindo, porque querendo ou não, eu tenho o «tino» para investigação. Eu descubro o que eu quero.

Acabava descobrindo algum familiar da pessoa, entrava em contato. E falava, «olha o que o teu familiar tá fazendo. É um doente, porque tá seguindo um guru doente, vai procurar o que ele tá seguindo». Aí, muita gente falou, «olha, cê sabe, Heloisa, que faz um tempo que eu comecei mesmo a notar ele estranho, virou mais agressivo, era uma pessoa educada, agora qualquer coisinha fala palavrão, xinga gente, xinga de analfabeto funcional«. Como se chamar alguém de analfabeto funcional fosse palavrão.

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