Em agosto de 2017, Vamberto de Castro iniciou sua corrida em busca de tratamento do recém-descoberto linfoma – câncer que afeta o sistema de defesa do organismo. Mesmo após quatro tentativas, a doença se espalhou rapidamente por todo o corpo e chegou a um estágio terminal. “O meu estado ficou em uma situação bastante grave e já havia me submetido a muitos procedimentos. Mas, infelizmente, todos resultaram em fracasso e, quanto à expectativa de cura, mesmo diante de tanta dificuldade, não desistimos em nenhum momento”, revelou.
A intensificação das dores levou ao uso constante de morfina e dificultou até as ações mais simples, como andar ou comer. Até que o filho Pedro Augusto descobriu uma técnica inovadora utilizada em Israel e nos Estados Unidos. “Quando fomos fazer o orçamento, constatamos que era um tratamento muito caro e decidimos adiar. Ele continuou buscando alternativas e encontrou a indicação de que a USP [Universidade de São Paulo] tinha uma equipe fazendo essa pesquisa”, contou Vamberto. Foi quando o mineiro, hoje com 64 anos, chegou o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (313 km de SP), e alcançou a tão sonhada reversão do câncer.
Ao custo de US$ 500 mil no exterior, o desenvolvimento da técnica genética com tecnologia brasileira financiada pelo poder público fez o valor cair para menos de 10% desse total (veja abaixo). “O câncer estava em franca evolução e não havia mais nenhuma alternativa. Chegamos a um consenso e fizemos o procedimento. O Vamberto já está em casa, voltou a ganhar peso, não tem mais suores noturnos e todos os exames mostram redução dos tumores”, explicou o coordenador da Unidade de Transplante em Terapia Celular da unidade, Renato Cunha.
A técnica
Inédito na América Latina, o tratamento consiste na alteração genética de células de defesa com o DNA do vírus responsável pelo linfoma. “Quando a célula é reintroduzida no paciente, ela vai para a corrente sanguínea e consegue destruir os tumores”, detalhou o especialista. Com o sucesso do procedimento, Cunha disse que a expectativa é abrir um protocolo de pesquisa para que mais pessoas possam ser beneficiadas. “Antes será avaliado cada caso e se há condições”, alertou.
De volta para casa, em Belo Horizonte, o funcionário público aposentado retomou pouco a pouco a rotina. “O aspecto religioso é muito importante, a fé das pessoas, a fé do próprio doente. Então, a minha sensação é que houve um misto de ciência e uma crença religiosa muito marcante nesse tratamento”, comemorou Vamberto.
E o acompanhamento dos médicos do hospital seguirá intenso. “Agora, contados 15 dias a partir da alta, eu devo passar por uma nova avaliação”, afirmou.
Como funciona o tratamento
- Sangue é retirado do paciente e, através de uma máquina, filtrado para a seleção das chamadas células T – responsáveis por combater doenças no organismo
- Após removidas do organismo, as células são levadas para laboratório e passam por alterações genéticas para se tornarem mais eficazes no combate aos tumores – elas são infectadas com o vírus e é formado um novo DNA que identifica o tumor
- Células T modificadas com o novo DNA são cultivadas em laboratório e se multiplicam
- As novas células são injetadas no paciente
- Organismo passa a reconhecer os tumores e, com a multiplicação das células T que se ligam às células cancerígenas, eles são destruídos
Conhecido como CART-Cell, o tratamento é uma terapia genética já utilizada no Japão, China, Estados Unidos e Europa. O custo nos Estados Unidos é de cerca de R$ 500 mil, mas pesquisadores da USP adaptaram o tratamento com tecnologias brasileiras e reduziram o custo para menos de 10% do cobrado no país americano.