Depois de dois trimestres marcados por índices de crescimento próximos de zero, a economia viu uma leve melhora no terceiro trimestre de 2019. O crescimento segue em marcha lenta, mas teve uma pequena aceleração em relação ao observado no primeiro semestre.
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De acordo com o IBGE, entre julho e setembro, o PIB (Produto Interno Bruto) avançou 0,8% em relação ao trimestre anterior – contra crescimento de 0,2% tanto no período de janeiro a março quanto no intervalo entre abril e junho, na comparação com os períodos imediatamente anteriores e já feito o ajuste sazonal.
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«Sobrevivemos», resume a economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas). «Não é um crescimento maravilhoso ainda, mas é razoável diante do que perdemos, depois de um segundo trimestre com greve de caminhoneiros, e um terceiro trimestre difícil, com pioras no mercado internacional e um cenário eleitoral conturbado.»
A melhora recente do PIB ajudou a compensar pelo impacto negativo que a paralisação dos caminhoneiros teve no segundo trimestre. Para Margarida Gutierrez, especialista em contas públicas e professora da Coppead/UFRJ, essa recuperação tende a se acentuar no quarto trimestre.
A reação dos índices de confiança do consumidor, do comércio e da indústria divulgados nesta semana pela FGV corrobora essa expectativa.
«Mas olhar para o terceiro trimestre é olhar para o retrovisor. Foi um período muito ruim, marcado por muitas incertezas para a economia. Acho que as melhores perspectivas são para o ano que vem», considera.
«Se houver reforma da Previdência e se o cenário internacional não desembocar em uma crise, devemos crescer em torno de 2,5%, até 3%, em 2019.»
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Este «se» condicionando um impulso maior ao crescimento à realização da reforma da Previdência foi repetido pelos demais economistas consultados pela BBC News Brasil.
O tom é de otimismo cauteloso com o próximo ano, ressaltando que a reforma será chave para o para o futuro governo Jair Bolsonaro e para o ciclo virtuoso que vem sendo prometido por Paulo Guedes, o «guru» econômico do militar reformado e seu futuro ministro da Economia.
Consumo e investimento em destaque
Nos resultados do PIB do terceiro trimestre, Silvia Matos, do Ibre-FGV, destaca o melhor desempenho do consumo das famílias, que cresceu 0,6% em comparação com os três meses anteriores, quando tinha variado 0,1%.
O índice ainda é baixo, mas indica uma leve recuperação em uma área fundamental da economia, que representa 60% do PIB.
O PIB é a soma de todos os bens e serviços produzidos no país e indica o ritmo de evolução da economia – que deve expandir cerca de 1,39% neste ano, de acordo com a média de estimativas de consultorias e instituições financeiras reunidas pelo Banco Central no Boletim Focus. Em 2017, o ano de saída da crise, o país cresceu 1%.
O melhor desempenho do consumo das famílias é puxado por uma melhora gradual do mercado de trabalho, confirmada nesta semana pelo IBGE, que indicou a sétima queda mensal seguida do índice de desemprego no país. A taxa caiu para 11,7% no trimestre encerrado em outubro, mas o desemprego ainda atinge 12,4 milhões de brasileiros – e a queda vem sendo puxada pelo aumento do número de trabalhadores sem carteira assinada e por conta própria, que bateram recorde.
«Ainda que com uma qualidade ruim, estamos vendo mais emprego, a renda está crescendo e isso ajuda a sustentar o crescimento do consumo das famílias de bens e serviços», afirma, estimando que, até o fim do ano, a massa salarial real cresça em torno de 3%.
Outro resultado positivo veio dos investimentos, que têm peso de aproximadamente 20% do PIB – neste caso, contudo, a alta vem acompanhada de uma ressalva.
De julho a agosto, nos investimentos tiveram aumento de 6,6% em relação ao intervalo entre abril e junho – uma recuperação significativa, já que o segundo trimestre registrou retração de 1,3% em relação ao primeiro, a primeira queda após um ano de resultados positivos.
A alta reflete, porém, a inclusão de plataformas de petróleo que já estavam sendo usadas no país no cálculo feito pelo IBGE e, por isso, pode passar uma impressão enganosa de investimento novo. «Tirando o acréscimo representado pelas plataformas, o investimento novo mesmo deve mais ou menos compensar a queda que vimos no segundo trimestre», calcula Matos.
Durante a crise, os investimentos despencaram cerca de 30%, e a reação tem tido ritmo mais lento do que se esperava.
Desafios para governo Bolsonaro
O crescimento continua tímido em todas as áreas, na saída lenta que o Brasil vem tendo da recessão. De acordo com o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace), da FGV, o período de retração prolongou-se por 11 trimestres, até o fim de 2016, e significou queda de 8,6% no PIB.
«O governo Temer conseguiu implementar algumas reformas difíceis, como o teto de gastos e a reforma trabalhista, e vem trabalhando para melhorar a situação», considera José Ronaldo de Castro Souza Júnior, Diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea. «Mas ela ainda não está resolvida. Temos uma economia em recuperação, embora lenta. Ainda falta muito a fazer.»
Para Souza Júnior, Temer transferirá a economia em uma situação melhor a Bolsonaro do que herdou da ex-presidente Dilma Rousseff.
Bolsonaro receberá o país com inflação em queda – e com expectativa de fechar o ano abaixo da meta de 4,5% – e a taxa de básica de juros, a Selic, em seu menor nível histórico, os atuais 6,5% ao ano.
«As incertezas ligadas à questão fiscal foram um entrave para que a recuperação acontecesse de uma forma mais forte ao longo deste ano», considera o analista do Ipea. «Além disso, empresários estavam reticentes para fazer avanços mais ousados diante das incertezas eleitorais. Agora, tudo vai depender das ações do próximo governo.»
Inicialmente, o futuro presidente poderá se beneficiar do otimismo que sua eleição despertou no mercado. Entretanto, Souza Júnior considera que o momento é de «compasso de espera» – com investidores e empresários de olho nos primeiros passos de Bolsonaro.
Reforma da Previdência
Os desafios para equilibrar as contas públicas, entretanto, são tremendos. Neste ano, o rombo nas contas do governo deve ficar em torno de R$ 140 milhões. O valor é a diferença entre o que o Estado arrecada com impostos e tributos e suas despesas.
Nos últimos anos, o baixo nível de atividade econômica contribuiu para que a conta não fechasse, derrubando a arrecadação.
Para Juan Jensen, economista e sócio da 4E Consultoria, não haverá ajuste fiscal duradouro sem que se faça uma reforma da Previdência, já que o governo terá pouca margem de manobra para cortar outros gastos obrigatórios. «O que tinha para ser cortado com facilidade a Dilma já cortou, o Temer já cortou», afirma. Isso coloca de saída um grande desafio para Bolsonaro.
«A reforma é fundamental e tem que ser feita enquanto o governo tem capital político para tal», considera Jensen. «Ele perderá popularidade, mas é fundamental que faça no primeiro ano para depois colher os frutos. Se não, os próximos quatro anos serão de alastramento da crise», prevê.
«A reforma é fundamental», reforça a economista Margarida Gutierrez, professora da Coppead/UFRJ. «Sem ela, tudo vira nada», considera.
Jensen vê «duas camadas de restrições» no caminho de aprovação da reforma. Em primeiro lugar, aponta que o próprio Bolsonaro tem feito declarações que sugerem que não irá corroborar uma mudança muito radical – tendo defendido recentemente, por exemplo, a aprovação de idades mínimas de aposentadoria de 61 anos para homens e 56 anos para mulheres.
Para o economista, isso traria resultados menos significativos que na versão proposta por Michel Temer, que fixaria idades mínimas de 65 e 62 anos, respectivamente, para homens e mulheres se aposentarem.
A seu ver, entretanto, os principais obstáculos estarão no Congresso. «Não vai ser fácil e não é provável que se aprove uma reforma da Previdência tão forte e robusta quanto o país precisa», considera Jensen.
«É um tema delicado, impopular, que demandará muita habilidade de negociação do governo. Mas vários ministros, incluindo o Paulo Guedes e o Onyx (Lorenzoni, futuro chefe da Casa Civil) são marinheiros de primeira viagem, sem experiência nessas funções de articulação política.»
Futuro ministro da Fazenda, Paulo Guedes declarou recentemente que a aprovação da reforma da Previdência e de lei que assegure a independência do Banco Central ainda neste ano poderiam assegurar um crescimento de 3,5% do PIB no Brasil já em 2019.
Após o segundo turno, entretanto, o esforço da equipe de transição para emplacar as medidas na agenda do Congresso neste fim de ano terminou malogrado, e as negociações caberão ao próximo governo.
Emprego e índices de confiança
A continuidade dos altos índices de desemprego, atingindo 12,4 milhões de pessoas atualmente, contribuem para que a população continue a sentir a crise na pele. Para Jensen, a manutenção do ritmo atual de crescimento não será capaz de surtir grandes mudanças sobre esse quadro.
«Para que o desemprego caia de forma mais firme, o PIB precisaria crescer a partir de 3% ao ano. Para isso, é preciso fazer as reformas estruturais e gerar mais confiança», ressalta.
«Fazer o diagnóstico é fácil, mas fazer (de fato) é difícil», completa Silvia Matos, do Ibre-FGV. «Não é trivial. Temos muita expectativa, mas o desafio persiste.»
Matos considera que as reformas são importantes para o Brasil se fortalecer diante de um cenário externo que promete trazer dificuldades para 2019, com fatores como a briga comercial entre os Estados Unidos e a China e a política monetária nos Estados Unidos, que deve continuar subindo sua taxa de juros.
«O ambiente externo não é muito favorável, o que diminuiu a nossa margem de erros. O governo não pode errar», diz Matos.
Indicadores de confiança medidos pela FGV divulgados nesta semana deram sinais de otimismo após a eleição de Jair Bolsonaro.
O Índice de Confiança do Comércio (ICOM), subiu 6,9 pontos em novembro (de 92,5 para 99,4 pontos), chegando ao maior nível desde março de 2014. O Índice de Confiança da Construção (ICST) teve a terceira alta consecutiva em novembro, chegando ao maior nível desde janeiro de 2015. E a confiança do consumidor avançou para o maior nível desde julho de 2014, subindo dois meses seguidos e chegando a 93,2 pontos em novembro.
«Só de ter acabado o período eleitoral já vimos uma acalmada em relação ao futuro. A tensão se reduziu porque começa a haver ações mais claras se definindo no horizonte», diz José Ronaldo de Castro Souza Júnior, Diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea.
Juan Jensen considera que o momento gerou uma expectativa positiva na economia pelas reformas prometidas por Paulo Guedes, e que sua presença no governo despertou «um certo oba-oba». Para ele, entretanto, essa expectativa ainda não inspira forte convicção – até porque há o temor de que o elo entre Bolsonaro e Paulo Guedes possa eventualmente se romper.
«As coisas estão em compasso de espera para ver para onde o Brasil caminha. Os primeiros seis meses serão fundamentais para ver o que o governo irá propor, e qual será a sua capacidade de implementar.»
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