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Por que Congresso e STF caminham para lados opostos na discussão sobre aborto

Supremo inicia em agosto audiências públicas para debater ação que pede descriminalização do aborto; enquanto isso, no Congresso Nacional avançam propostas que visam restringir ainda mais possibilidade de interrupção da gravidez.

Em agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciará audiências públicas para debater se o aborto deve deixar de ser crime. Três ministros já se manifestaram, num julgamento anterior, a favor da descriminalização, inclusive a relatora do caso, ministra Rosa Weber. Enquanto isso, avançam no Congresso Nacional projetos que podem tornar as leis sobre interrupção da gravidez mais rígidas.

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Atualmente o aborto é crime no Brasil. Só é permitido em caso de estupro, risco para a vida da mãe e feto com anencefalia (que não possuem a maior parte do cérebro).

Por que Judiciário e Legislativo caminham para lados opostos na discussão sobre o tema?

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No Brasil, propostas que tentam ampliar as situações em que a interrupção da gravidez deve ser permitida estão paradas no Congresso Nacional desde 1989. E, mais recentemente, projetos que restringem ainda mais o acesso ao aborto avançaram no Legislativo, juntamente com o crescimento da Bancada Evangélica, que atualmente tem cerca de 90 deputados.

No final do ano passado, uma comissão da Câmara aprovou uma proposta de emenda à Constituição que estabelece a proteção da «vida desde a concepção». O texto ainda precisa ser votado no plenário.

Já o Judiciário tem sido procurado por partidos políticos e grupos que defendem o direito de minorias para decidir sobre temas que sofrem oposição religiosa e dividem opiniões. Foi o caso, por exemplo, do julgamento no STF que permitiu a interrupção da gestação de fetos com anencefalia, em 2012, e do julgamento que autorizou a união homoafetiva, em 2011.

Enquanto o Congresso muitas vezes atua de olho na reação popular, até porque as decisões podem ter efeito direto nas urnas – o deputado ou senador pode ser punido nas eleições por decisões impopulares -, o Supremo tem um papel «contramajoritário», ou seja, tem o dever, previsto na Constituição, de garantir os direitos de minorias, ainda que a decisão contrarie a maioria.

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E quando se fala em minoria, a classificação não é numérica. Tem a ver com representatividade política. No caso das mulheres, elas são menos de 10% da Câmara dos Deputados. No Supremo, há duas mulheres entre os 11 ministros.

A diferença de funções e responsabilidades tem colocado Judiciário e Legislativo em trajetos opostos no debate sobre a descriminalização do aborto.

«Os deputados são representantes e procuram refletir, na sua posição, o que os representados pensam e querem. É diferente do papel do Supremo, que deve interpretar a Constituição», destaca o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), que é parlamentar há 40 anos.

Em março, o PSOL, com assessoria técnica do Instituto de Bioética Anis, entrou no STF com a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que pede a descriminalização do aborto.

A ação argumenta que os artigos do Código Penal que proíbem o aborto afrontam preceitos fundamentais da Constituição Federal, como o direito das mulheres à vida, à dignidade, à cidadania, à não discriminação, à liberdade, à igualdade, à saúde e ao planejamento familiar, entre outros.

As advogadas que assinam a ação afirmam que a criminalização do aborto leva muitas mulheres a recorrer a práticas inseguras, provocando mortes.

A ministra Rosa Weber agendou para os dias 3 e 6 de agosto audiências para debater o tema. Estão inscritos para falar médicos ginecologistas, pesquisadores brasileiros e estrangeiros, entidades de defesa dos direitos das mulheres, bem como representantes de órgãos ligados a religiões, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

A quem cabe a decisão sobre aborto?

Segundo o ministro Luís Roberto Barroso, no caso do aborto, a polêmica gira em torno da interpretação sobre se a interrupção da gravidez é ou não um direito fundamental da mulher. Para ele, sim. Portanto, a decisão pode, na visão dele, ser tomada pelo Judiciário.

«Se você entende que o direito de uma mulher interromper a gravidez é uma decisão política, então a decisão seria do Congresso. Mas se você entende que é um direito fundamental, então é algo assegurado pela Constituição, que deve ser garantido e não pode ser mudado nem por emenda constitucional», disse em entrevista à BBC Brasil.

«Eu acho que é um direito fundamental da mulher. Se os homens engravidassem, esse assunto estaria resolvido há muito tempo. Então, existe um pouco de sexismo nisso também», completou o ministro.

Já parlamentares defensores da proposta que estabelece a proteção da vida desde a concepção defendem que decisões sobre aborto devem ser tomada pelo Legislativo.

«Em qualquer hipótese a vida tem que ser garantida, tem que ser assegurada desde a concepção. Essa discussão tem que ser feita pelo Legislativo e refletir a vontade da população», defende o deputado João Campos (PRB-GO), presidente da Bancada Evangélica da Câmara.

«Nós entendemos que o período que o ser humano mais precisa de proteção do Estado e da sociedade é o período em que ele mais está indefeso, que é exatamente nos nove meses da gestação.»

Custo eleitoral

Enquanto a Bancada Evangélica tenta aprovar projetos que criminalizam todas as hipóteses de aborto e grupos defensores dos direitos das mulheres recorrem ao Judiciário, parlamentares que não são diretamente ligados a nenhum dos dois grupos evitam entrar no debate.

Pesquisas mostram que o tema do aborto divide opiniões no Brasil. Levantamento de 2015 do Latinobarômetro, um dos institutos de pesquisa de opinião mais relevantes da América Latina, aponta que 50,3% dos brasileiros acreditam que o aborto «nunca é justificável».

O número de pessoas contrárias ao aborto diminui conforme o grau de escolaridade. Entre os entrevistados com diploma de faculdade, o percentual de pessoas contrárias ao aborto em qualquer hipótese cai para 43%.

Para o deputado Miro Teixeira, a discussão sobre aborto não é uma «prioridade» do Congresso Nacional hoje.

«Não me parece ser algo que comova o Congresso nem a população. O aborto é cada vez mais raro. Existe a pílula do dia seguinte e métodos contraceptivos. A prioridade brasileira hoje é emprego. Outra questão severa são os impostos, que afetam os mais pobres», afirmou ele, ao ser perguntado pela BBC News Brasil sobre o motivo de projetos sobre aborto se arrastarem no Congresso.

Já a pesquisadora Débora Diniz, coordenadora do Instituto de Bioética Anis, afirma que a discussão sobre o tema é «urgente», já que 500 mil mulheres fazem abortos de forma clandestina todos os anos, segundo a Pesquisa Nacional do Aborto. Dados do Ministério da Saúde apontam que quatro mulheres morrem todos os dias em decorrência de procedimentos inseguros.

«Há uma urgência explícita. Temos dados que mostram a magnitude do aborto. Meio milhão de mulheres fazem abortos. Esse tema não está na pauta do Congresso com a prioridade que deveria ter», disse à BBC News Brasil.

«O aborto é uma questão constitucional, e cabe ao Supremo a proteção de direitos constitucionais isolados. Temos evidências suficientes para afirmar que, ao descriminalizar, reduzimos as mortes maternas, as taxas de internação e as taxas de aborto» defendeu Diniz, que também é professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.

Como o mundo tem decidido essa questão

As decisões sobre aborto têm sido tomadas por diferentes instâncias pelo mundo. Na Europa, grande parte dos países descriminalizou o aborto por decisões dos Parlamentos.

Já nos Estados Unidos, Canadá e alguns países da América Latina o Judiciário teve papel de destaque na discussão sobre aborto.

Em 2006, a Corte Constitucional da Colômbia decidiu que o aborto deve ser permitido, em qualquer estágio da gravidez, se a saúde mental ou física da mulher estiver em risco – na prática as mulheres passaram a ter o direito de fazer o procedimento em caso de gravidez indesejada.

Nos Estados Unidos, o aborto foi legalizado a partir de uma decisão histórica da Suprema Corte, em 1973, conhecida como «Roe vs Wade». Mais recentemente, em 2016, o tribunal derrubou uma lei do Texas que impunha restrições a procedimentos de interrupção da gravidez feitos no Estado.

No Canadá, uma decisão de 1988 da Suprema Corte confirmou o direito irrestrito das mulheres do país à interrupção da gravidez.

O Brasil está entre os países com legislações mais restritiva ao aborto no mundo, juntamente com a maioria das nações da América Latina, Caribe, África e Oriente Médio.

Na grande maioria dos países desenvolvidos, o aborto é legalizado. É o caso das nações que integram a União Europeia. No Reino Unido, a interrupção da gestação é oferecida, se for o desejo da mulher, no serviço público de saúde.

Os efeitos da criminalização

Segundo a Pesquisa Nacional do Aborto, embora o procedimento seja proibido no Brasil, uma em cada cinco mulheres de até 40 anos fizeram pelo menos um aborto.

Pesquisas que comparam a quantidade de abortos realizados em países onde o procedimento é liberado e onde ele é proibido mostram que o número é equivalente. Ou seja, proibir o aborto, em geral, não impede, segundo os dados, que as mulheres interrompam a gravidez. E oferecer o procedimento legalmente não aumenta o número de abortos.

Um estudo publicado na revista médica Lancet, conduzido pela pesquisadora Gilda Sedgh, do Instituto Guttmacher, de Nova York, aponta uma taxa de 37 abortos a cada mil mulheres em países que vetam o aborto em qualquer circunstância ou que só o permitem em caso de risco de vida para a mãe. Em nações onde a interrupção da gravidez é permitida e oferecida mediante pedido da gestante, o número de abortos é de 34 para cada mil mulheres.

Para esse estudo, foram requisitados dados oficiais de 184 países e analisadas informações de fontes internacionais (organismos e ONGs, por exemplo) e de pesquisas acadêmicas locais. A América Latina e o Caribe, que têm as leis mais restritivas à interrupção da gestação, exibem as maiores taxas de aborto do mundo.

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