Estilo de Vida

Filhas contam que ‘amor de mãe’ também pode ser destrutivo

Quem imaginaria que o amor materno também poderia ser um dos mais nocivos? Filhas de mães com transtorno de personalidade narcisista revelaram como é crescer sem a presença e o carinho de uma “mãe de verdade”, já que tiveram de lidar com abusos verbais, e muitas vezes até físicos, desde a infância. Para as filhas, as mães, que poderiam ser suas melhores amigas, acabam sendo, na verdade, suas maiores rivais, pois conhecem suas inseguranças e, por isso, “conseguem te destruir só com o olhar”.

As mães narcisistas são aquelas que costumam enxergar os próprios filhos, principalmente as filhas, como um adversário, e tentam competir com eles em todos os momentos. De acordo com a psicóloga Adriana Severine, esse comportamento já começa a se desenvolver logo depois de darem à luz, quando percebem que grande parte das atenções dedicadas a elas durante a gestação foi transferida para o bebê.

Com o passar dos anos, a relação entre mãe e filha pode se agravar e se tornar mais problemática e tóxica. Segundo a psicóloga, neste momento ganha importância a presença de um indivíduo externo, como o pai, por exemplo, para equilibrar a convivência entre as duas. “O pai tem um papel muito delicado, ele tem de ter cortar essa competição e fortalecer uma boa relação entre elas”, disse Adriana.

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Mas nem sempre esse mediador consegue tomar as rédeas da situação. “Eu me lembro da primeira vez que disse ao meu pai que queria fugir de casa, se minha mãe continuasse lá. Eu pedi para ele escolher entre mim e ela, e eu só tinha oito anos idade”, relembrou a body piercing Leila*, de 28 anos. Em resposta ao “pedido de socorro” da filha, o pai apenas falou que não poderia optar entre sua mulher e a filha. Leila, no entanto, acredita que ele poderia, sim, ter feito algo por ela e seus outros irmãos.

Para Adriana Severine, as mães que possuem o transtorno de personalidade narcisista criam inconscientemente a visão de que suas filhas são suas rivais e tentam a todo o momento mostrar que são superiores, enquanto os outros filhos acabam recebendo tratamento especial, quase como se fosse uma mãe diferente para cada cria. E foi assim que Flávia*, de 60 anos, e seu irmão cresceram. “Nas minhas lembranças mais antigas, eu sempre me recordo da minha mãe com meu irmão no colo, dando comida na boca dele, mas comigo nunca teve isso. Ela sempre fez muita distinção”, contou. Flávia lembrou ainda que passou anos sem falar com o próprio irmão por causa das mentiras que a mãe contava de um para o outro, mas que hoje conseguiu finalmente mostrar para ele quem ela é, e acabaram reconstruindo a relação fraternal entre eles.

“Jeito de ser maléfico”

Além da convivência complicada, a manipulação também é motivo de queixas. “É muito difícil conviver com uma pessoa narcisista, porque é uma manipulação tão grande, um jeito de ser tão maléfico e terrível que às vezes até eu me pego duvidando da verdade.” Para Tânia*, 27 anos, e seus quatro irmãos, as mentiras constantes e a mudança de comportamento dentro e fora de casa pareciam ser uma perseguição. Com muito pesar, ela contou que um deles não suportou todos os abusos da mãe e se matou. Mesmo com a morte do filho os abusos não cessaram, foram apenas transferidos para outro.

“Ela pegava o prato de comida dele e jogava no chão, desligava o relógio de luz quando ele ia tomar banho (assim a água ficava fria) e até se batia contra a parede e falava para todo mundo que ele a havia agredido. Nós só enxergamos os abusos dela depois que meu irmão se matou e ela não teve um pingo de remorso por isso. Depois disso, eu virei o alvo. Ela me humilhava e me batia na frente de todos.”

Humilhações

Leila contou que também sofreu com as humilhações públicas da mãe, que até fizeram com que ela perdesse a guarda do filho. “Ela já me acusou de ser prostituta e de dar drogas ao meu bebê, que na época tinha um ano. Queimou minhas roupas tantas vezes que eu simplesmente desisti de repô-las.” Mas depois de dez anos de luta para obter a guarda do filho de volta, Leila conseguiu judicialmente, nesta semana, que o filho fosse morar com ela.

Entender o porquê de todo esse sentimento é difícil, as filhas declararam que chega a parecer que as mães têm dupla personalidade, como se fossem uma pessoa em casa, sempre com abusos verbais e físicos, e outra fora.

As filhas afirmam que para os olhos da sociedade tudo o que a mãe faz é por amor e porque querem o bem delas, mas que na verdade tentam de qualquer forma transformá-las em vilãs. “As narcisistas não aceitam que você se dê bem com as pessoas ao redor, porque enquanto vocês se dão mal não conseguem descobrir quem elas são de verdade”, disse Flávia. Devido ao tratamento que recebem, as filhas querem se desvincular da mãe o mais rápido possível. Mas é exatamente quando estão longe que começa o “jogo de sedução”. “Quando eu saía de casa, ela tinha aquela ‘melhora falsa’, vinha atrás de mim igual a um cachorro abandonado e falava que eu era a bonequinha dela, mas quando eu voltava era ainda pior”, contou Leila.

Por causa do que viveram, as filhas temiam se tornar mães iguais as que tiveram. Quando engravidou de sua primogênita, Denise*, de 26 anos, acreditava em todas as coisas ruins que lhe foram ditas e, por isso, imaginava que não deveria ser mãe, chegando até mesmo a considerar o aborto. “Mas quando senti minha filha ali, se mexendo dentro de mim, sabia que eu a queria e que faria de tudo para ser uma boa mãe para ela.” Assim como Denise, Leila e Flávia superaram todo o trauma vivido e conseguiram ser o oposto de suas mães para seus filhos.

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“A mãe não percebe que está fazendo o mal”

A psicóloga Adriana Severine enfatizou que para tentar vencer os traumas vividos, tanto filhas quanto mães devem buscar tratamento psicológico. “A mãe sabe que ama, mas não percebe que está fazendo mal à filha, o ciúme e o medo de perder para a filha acabam sendo mais fortes que o amor que ela sente”, explicou Adriana.

As redes sociais também servem de apoio para as filhas. O grupo Mães Narcisistas, Mães Perversas – Apoio Às Vítimas tenta esclarecer o que é o narcisismo e ajuda esses filhos a “se libertarem do cativeiro e iniciar uma vida plena”. Izabella Haim Rodrigues, uma das administradoras do grupo, disse que já receberam muitos “agradecimentos e depoimentos de como a vida das vítimas mudou após receberem as informações no grupo, acolhimento e incentivo para procurar um profissional”.

Diante desse convívio que causa tanta dor, as filhas preferiram se afastar dessa relação, exceto Flávia, que ainda mora com a mãe por causa da saúde fragilizada dela. “Minha mãe é bloqueada em absolutamente todas as minhas redes sociais, e não participa em nada da minha vida. Falo com ela muito raramente, só quando muito necessário”, disse Leila. “Eu simplesmente não amo a minha mãe, e hoje aprendi que não tenho que me sentir mal por isso”, disse Tânia.

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