A Justiça da Bolívia decidiu acabar com o número mínimo de mandatos consecutivos no país. A decisão favorece, diretamente, o presidente Evo Morales, que agora está autorizado a disputar a quarta eleição em sequência em 2019 e, a princípio, quantos outros pleitos mais ele quiser.
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Tomada de forma unânime pelo Tribunal Constitucional Plurinacional (TCP) da Bolívia na terça-feira, a decisão levantou polêmica não apenas por ir de encontro à Constituição local, mas também por ter contrariado o resultado de um plebiscito realizado em janeiro de 2016, no qual eleitores rejeitaram a possibilidade de reeleiç]ao indefinida.
Na ocasião, 51% dos que participaram da consulta popular rejeitaram alterar a Constituição boliviana, que estabelece limite de dois mandatos consecutivos para presidente, vice-presidente, governador e prefeito.
A decisão do TCP diz que tratados de direitos humanos que ampliam os direitos políticos devem ter preferência sobre a Constituição boliviana. A corte acatou os argumentos de membros da bancada no Congresso boliviano do Movimento ao Socialismo (MAS), o partido governista. Os congressistas entraram com uma ação de inconstitucionalidade alegando que os limites legais para reeleição e número máximo de mandatos violam o sufrágio universal.
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Na ação, questionaram artigos da Constituição e também da legislação eleitoral boliviana. Alegaram que as barreiras impostas pela legislação boliviana prejudicam os ‘direitos políticos’ das pessoas ao limitar a quantidade de vezes que alguém pode almejar um cargo público.
Constituição x Convenção de Direitos Humanos
Para sustentar esse argumento, senadores e deputados correligionários de Morales recorreram à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada na Costa Rica em 1969.
Para eles, a convenção, também conhecida como Pacto de San José, seria reconhecida dentro do quadro legal boliviano como preferencial, por ser mais favorável em relação aos direitos políticos se comparada à Constituição boliviana.
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A corte acatou essa interpretação para acabar com o limite de mandatos e também declarou inconstitucionais cinco artigos da lei eleitoral boliviana relacionados aos limites para reeleição.
No texto da decisão, o TCP afirma que os direitos dos cidadãos serão reconhecidos e interpretados "de acordo com os tratados internacionais de direitos humanos quando estes contemplarem normas mais favoráveis".
Prós e contras
Apesar de controversa, a decisão da TCP já era esperada por grupos de oposição que tentaram influenciar o julgamento organizando protestos contra a reeleição de Morales em diferentes cidades da Bolívia
Tão logo a corte anunciou a decisão de permitir mandatos ilimitados, governistas e oposicionistas passaram a debater o significado da mudança nas regras eleitorais da Bolívia.
O ex-presidente Carlos Mesa afirmou que a sentença "destrói as garantias democráticas". "Transforma a Bolívia num país submetido às arbitrariedades do presidente Morales e zomba da soberania da lei", afirmou Mesa.
Segundo o ex-presidente, a o TCP ignorou a vontade da maioria dos bolivianos que votaram a favor da manutenção de um número máximo de mandatos consecutivos.
Por sua vez, o ex-vice-presidente Víctor Hugo Cárdenas afirmou que os magistrados não tinham competência para tomar uma decisão que contraria a Constituição.
"Eles são responsáveis por proteger os artigos da Carta Magna. Portanto, inverteram suas atribuições e isso é um delito grave", assinalou Cárdenas em entrevista ao jornal boliviano El Deber.
Para ele, deu-se início a uma fase em que "vale-tudo" na Bolívia. Tanto Cárdenas como Mesa têm criticado Morales.
No entanto, os governistas estão convencidos de que a decisão não apenas é legal como também representa um avanço para o país.
O embaixador boliviano na ONU (Organização das Nações Unidas), Sacha Llorenti, afirmou que o "TCP ampliou as garantias democráticas na Bolívia".
"A democracia foi ampliada porque os eleitores terão todas as opções", disse Llorenti, que foi ministro de Morales entre 2010 e 2011.
Por que Morales pode ser eleito três vezes
Essa não é a primeira vez que o presidente boliviano é beneficiado por uma mudança na legislação boliviana.
Morales, o primeiro índio a presidir o país, assumiu o comando da Bolívia pela primeira vez em 2006. No ano seguinte, convocou uma Constituinte para elaborar uma nova Constituição que definiu ser possível apenas uma reeleição consecutiva.
A justiça, contudo, interpretou que a regra de dois mandatos consecutivos valeria apenas para eleitos depois que a nova constituição entrou em vigor.
Desse modo, Morales foi eleito em 2009 e pode disputar a reeleição em 2014, totalizando assim três mandatos consecutivos.