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Demissões e atentados expõem fragilidade do sistema prisional em BH

Dentro das celas, mais de 1,3 mil presos dividiam o espaço criado para comportar pouco mais de 400. No plantão noturno, somente oito agentes se alternavam entre as guaritas e a parte interna do Ceresp Gameleira, na região Oeste de BH – média de um profissional para cada 162 detentos, quando o ideal é de um a cada cinco. Para piorar, dois deles tiveram que ser deslocados para acompanhar presos em hospitais. Do outro lado da região metropolitana, a calamidade se repete: 15 servidores para uma população carcerária de 2,2 mil pessoas no presídio de São Joaquim de Bicas I. A situação não é exclusividade da capital e cidades do entorno e se torna uma bomba-relógio cada vez mais perto de ‘explodir’ em todo o Estado. “E as demissões continuam”, contou o presidente da União Mineira dos Agentes de Segurança Prisional, Ronan Rodrigues.

Há meses, uma decisão do TJMG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais) tornou inconstitucional a prorrogação dos contratos de agentes penitenciários. Com isso, os que não eram concursados deveriam ser desligados gradualmente. Desde então, conforme a entidade, pelo menos quatro mil pessoas foram para as ruas. “Não tem como trabalhar. Os advogados chegam  a esperar até três horas para entrar no presídio por falta de pessoal. Para as famílias então a dificuldade é ainda maior”, disse.

De acordo com o presidente da Comissão de Assuntos Carcerários da OAB em Minas, Fábio Piló, a situação é grave. “Antes, Minas era um exemplo para o país, mas um conjunto de fatores fez a qualidade declinar. A falta de agentes traz transtornos enormes nas unidades. Não há cumprimento da lei de execução penal, ninguém é retirado para atendimento médico e jurídico, os que já deveriam estar em liberdade não conseguem sair e tudo isso é um combustível para motins e rebeliões”, enfatizou. Ari*, que em 12 anos de trabalho passou por três unidades, foi desligado em julho. “Os concursados só substituíram os que saíram e o governo diz que o deficit diminuiu. Todo fim de ano, a situação fica ainda mais delicada com os presos, que querem a saída temporária. Cada dia tem uma tentativa de fuga. Uma hora vão conseguir”, denunciou.

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Sem papel higiênico e sabão

Com dois filhos na cadeia, a presidente da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade, Maria Tereza dos Santos, contou que falta até papel higiênico e sabão para os detentos. “Dá muito medo. Eles estão em uma panela de pressão prestes a explodir. Hoje mesmo teve um motim”.

Entidades denunciam crise interna

No órgão responsável pela gestão das unidades, uma crise institucional sem precedentes também vem prejudicando o funcionamento do sistema prisional. Conforme o vice-presidente do Sindicato dos Agentes de Segurança Penitenciária, Wanderson Eustáquio, três pessoas já perderam o seu cargo por pressões internas ou falta de espaço para a tomada de decisões: uma corregedora, um auditor e um subsecretário. “Essa situação ultrapassou as fronteiras da Cidade Administrativa e prejudicou o diálogo da pasta com outros órgãos, como o Judiciário e o Legislativo. A metodologia é sempre arbitrária e falta escutar os servidores”, alegou. Fábio Piló afirmou que os erros começaram na escolha do secretário. “Temos um desembargador aposentado e outro militar na chefia de gabinete, ou contrário de uma pessoa de carreira, que conhece o sistema de ponta a ponta”, defendeu.  

Tiros contra agentes e até túneis ameaçam segurança

No final de outubro, dois ataques em menos de seis horas. Cinco homens armados tentaram invadir o presídio de Sabará. Eles chegaram a disparar e depois fugiram. Pouco antes, outro grupo atirou em dois agentes penitenciários que seguiam para a Penitenciária Nelson Hungria, em Contagem. Na época, as visitas foram suspensas por sete dias. E ontem, a descoberta de um túnel no Ceresp de Betim mobilizou pelo menos 200 membros do Comando de Operações Especiais do Sistema Prisional. Parentes dos presidiários que aguardavam do lado de fora escutaram barulhos de tiros e bombas. “Acharam o túnel, mas o governo esconde muita coisa”, disse Ari*.

Maria Tereza relatou que até uma ambulância saiu de dentro da cadeia. “E não temos nenhuma notícia. O diretor nos disse que estava tudo bem”. Já o Executivo alegou que se tratava de um procedimento de rotina.  

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