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Educação alternativa começa a dar frutos em escolas do país

Não precisa muito para perceber que algo diferente acontece na Escola Municipal Amorim Lima, localizada no bairro do Butantã, zona oeste de São Paulo. Há dez anos, um modelo pedagógico alternativo começou a ser experimentado por lá.

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Sai a aula tradicional expositiva, entram formatos que privilegiam a transversalidade, integrando disciplinas, e dando ao aluno liberdade e autonomia. O formato se expande por todo o país. Muitos de seus alunos já estão no ensino médio ou no superior. O Metro Jornal procurou alguns desses estudantes e perguntou a eles: “Afinal, esse método funciona?”

escola-alunosEx-alunos

Quando chegou a hora de ir à escola, Victor Almeida tinha sete anos e vários problemas. Timidez e dificuldade para se concentrar e interpretar textos eram os principais obstáculos. Ele chegou à escola Amorim antes da mudança no projeto pedagógico, ou seja, nas primeiras séries, foi tudo igual a qualquer escola.

“Aulas eram expositivas, cada um no seu lugar, virados pra frente, ouvindo o professor”, relembra o aluno, hoje com 20 anos. A partir do 5º ano, viveu junto com a Amorim uma profunda mudança. Fora das salas convencionais, as aulas começaram a acontecer em um salão compartilhado por diferentes séries.

“Estudávamos em grupo, então era impossível não se relacionar, gostando ou não, havia uma troca”, diz o aluno, atualmente no 3º ano de psicologia na Universidade Mackenzie. “Esse modelo estimulou meu interesse em aprender, e me deu coragem para superar as dificuldades”, diz o jovem.

Outra ex-aluna que pegou a transição do projeto na Amorim, foi Naima D’Auria, 20. Ela conta que não teve problemas de  adaptação ao modelo alternativo. Mas ao retornar ao molde tradicional, no ensino médio, sentiu a diferença gritante. “Fui para outra escola pública, se resumia a dois corredores e muitas salas, no intervalo, parecíamos presos tomando banho de sol”, conta. “Não me sentia numa escola”. Também sentiu falta de relacionamento. “No Amorim, sempre tive muito contato com os professores e até com a diretoria, na outra escola  eu voltei a ser apenas um número.”

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Saudade é um sentimento comum entre os ex-alunos da Amorim. Vitor Murano, 20, foi da primeira turma do novo projeto da escola. Hoje no 3º semestre de Letras na USP, sente o impacto da diferença. “Me sinto num lugar que parou na década de 1970”, compara. “Professores de literatura querem ensinar o que devo pensar sobre os autores”.

Mas nem tudo é saudade. O ensino médio foi um susto para Joyce Demange, 15, ex-aluna da Politeia, em São Paulo, que segue padrão da Amorim. “Encontrei matérias que nunca tinha visto”, diz a jovem.

Liberdade

Inspirada na experiência da Escola da Ponte, de Portugal, a escola Amorim Lima desenvolveu um projeto de educação que inclui pais, alunos e comunidade na gestão escolar. “Todos podem e devem participar”, diz a diretora Ana Elisa.

Projetos similares se espalham por toda a parte. “Há experiências em contextos muito diversos: escolas particulares, públicas e de interesse social, urbanas, rurais e indígenas, de educação infantil e fundamental”, observa Helena Singer, socióloga e diretora da Cidade Escola Aprendiz, espécie de incubadora de projetos de educação alternativa.

Segundo a socióloga, único campo da educação básica que ainda não tem experiências significativas no Brasil é no ensino médio. “Isso se deve ao fato de que, na rede pública, este ciclo está nas mãos dos Estados, que têm menos abertura para projetos inovadores”.


Aprendizado para fora das salas de aula

As mudanças na Escola Amorim Lima, no Butantã, surgiram há dez anos, quando a diretora Ana Elisa se viu preocupada com a evasão escolar e tomou uma decisão radical. Para trazer alunos de volta, grafitou muros acinzentados, retirou grades, derrubou paredes e mudou o modo de aprendizagem. No lugar da sala de aula, árvores, cabana de índio, ateliê de arte, balança, quadras, hortas, laboratório, biblioteca e até rampa de skate. Outra marca é a liberdade dada ao estudante.

Na escola, os alunos decidem o que estudar, sob a supervisão de um tutor. Cada um tem seu roteiro de pesquisas com temas a serem estudados. “Pensamos do ponto de vista pessoal de cada aluno, mas ao mesmo tempo, processo se dá o tempo todo no coletivo”, analisa Ana Elisa. Para ela, a principal diferença é o fazer coletivo, incluído na aprendizagem. “Esse jeito de estudar, junto e misturado, nos ensina a conviver com a diferença”, comentou a jovem, Naíma D’Auria, 20, que estudou lá de 2000 a 2008.

Há quem torça o nariz para esse método alternativo da Amorim e de outras semelhantes. “Quem não gosta, em geral diz que é uma bagunça”, comenta o ex-aluno, Victor Murano, 20, aluno da primeira turma da escola, em 2003. “Que bom que é assim, fiquei perdido no começo, mas percebi que o caos pode nos ensinar muito, a criança na infância também não aprende de modo organizado”, compara.

A irmã dele, Julia Murano, 19, também estudou na escola, e atualmente faz o 2º ano de Sistemas de Informação na USP. Para ela, que fez até a quarta série do fundamental no modo tradicional, ter a liberdade de escolher quando queria estudar foi a grande diferença. “Achei sensacional”. Ela reconhece que nem todos os alunos sabem administrar seus estudos. “Acontece de deixarem acumular tarefas, mas depois é cobrado, e isso serve para ensinar sobre responsabilidade”, diz.

A mãe do casal, Vitor e Julia, a designer Dora Murano, gostou tanto da escola, que apesar de seus filhos já não estudarem mais lá, quase todos os dias pode ser vista tratando de assuntos da instituição, como a reforma da biblioteca, ou a criação da plataforma tecnológica para os alunos. “Gosto muito do projeto, dão aos alunos a oportunidade de serem autores em sua relação com o aprendizado”.

Parcerias

O projeto da Amorim Lima conquistou ao longo de uma década muitos admiradores. Alguns resultaram em parcerias. É o caso da Escola Viva, localizada na Vila Olímpia, zona sul da cidade, que oferece aos melhores alunos uma bolsa para o ensino médio. “Queremos trocar experiências entre as equipes pedagógicas e desenvolver projetos conjuntos envolvendo os alunos”, diz o diretor Francisco Ferreira. Segundo ele, quando iniciaram as conversas, perceberam que os projetos pedagógicos tinham muitos pontos em comum. “A afinidade de princípios, valores e projetos foi determinante para a decisão de nos tornarmos escolas irmãs”.

A ex-aluna da Amorim Lima, Alice Magalhaes, 16, foi uma das selecionadas, e cursa o segundo ano do ensino médio na escola. “Apesar de funcionar de forma parecida ao modelo tradicional, dividido por disciplinas, aulas, classe, as propostas das aulas são bem diferentes, mesclam com muitas atividades, tem seminários, estudos do meio, boa parte dos estudos acontece fora da sala de aula”, descreve a estudante.

Educação democrática
O modelo ganhou força, e outras experiências surgiram, apesar de diferenças, metodologia ficou conhecida como ‘educação democrática’. “É um termo usado por diferentes correntes e em diferentes contextos, mas em geral se refere às escolas com ampla participação de estudantes, funcionários, professores e pais na gestão”, explica Helena Singer, socióloga, diretora da Cidade Escola Aprendiz.

No Brasil, apesar de escolas autogeridas começarem na prática no início dos anos 2000, na teoria a ideia já pipocava há bem mais tempo no circuito de educadores como Paulo Freire. No resto do mundo, ainda no século 19, o pioneiro nesse assunto foi o escritor russo Leon Tolstoi.

Mas, é no contexto revolucionário dos anos 1960 que a proposta ganha mais força política, principalmente nos Estados Unidos e na Europa. “Na América Latina, embora não sejam muitas experiências, as escolas alternativas estão crescendo”, diz Singer.

Na Inglaterra, a Sands School é a mais antiga em funcionamento. Em Israel, a escola de Hadera abrange dos 4 aos 17 anos, e oferecem ainda um curso de graduação para formação de educadores em educação democrática. No Japão tem a Shure University, uma universidade democrática.

No Brasil, as escolas alternativas, além de crescer se diversifica, ressalta a socióloga Helena Singer. “Cada uma inventa seu próprio modelo, cria sua cultura, desenvolve suas metodologias”. Em comum, possuem ambientes que favorecem a participação de todos na construção de seu projeto político pedagógico e currículos flexíveis, que acompanham os interesses e necessidades de seus estudantes.

A educação democrática se sustenta sobre a gestão democrática da convivência e do conhecimento, aponta, Carol Sumie, educadora da Escola Politeia, outra instituição de ensino que adotou o modelo democrático, na Água Branca, zona oeste de São Paulo. “Crianças e jovens participam da elaboração e responsabilização das regras de convivência”.

Segundo ela, é a formação ‘na’ cidadania e não ‘para’ a cidadania. “É participando que aprendemos a fazer diferença dentro de uma comunidade em busca do bem comum”. Para ela, apesar de ainda pouco conhecida, a educação democrática vem conquistando pais e educadores.

“Encontramos cada vez mais interessados em entender essa proposta, especialmente pais e educadores em busca uma educação alicerçada em valores como democracia, respeito, liberdade e respeito à diversidade”, diz.

Navegue na rede e mergulhe no tema

Para saber mais sobre educação democrática e as escolas alternativas, veja alguns links interessantes.

Rede de escolas: http://www.sudval.org/05_alumni.html
Estudo com formandos da Escola Sudbury Valley, nos EUA. Aborda algumas escolas que seguem uma metodologia que pode ser traduzida como ‘a arte de não fazer nada’. As questões colocadas aos formandos das Sudburys são do tipo: Como eles se incluíram no mercado de trabalho? Que tipos de trabalho buscaram? A educação que tiveram tornou mais fácil ou mais difícil pra que continuassem seus estudos na educação mais formal? Que tipo de membros de uma comunidade eles se tornaram? Como eles se sentem sobre eles mesmos: quais são seus valores, quão competentes eles são pra lidar com a própria vida e quão confiantes são em relação ao próprio futuro? Para saber as respostas acesse o link do artigo em inglês.

Dá pra ler parte do estudo em português no blog de um educador de Uberlândia que está traduzindo os textos: http://oratoquesaidatv.blogspot.com.br/

Mapa de escolas democráticas no Brasil, América Latina e no mundo:

http://portaldoeducador.org/escolas/

www.educationrevolution.org

http://map.reevo.org

Escolas e projetos citados na reportagem
Escola Municipal Amorim Lima
http://amorimlima.org.br/
Escola Politeia
http://escolapoliteia.com.br/
Cidade Escola Aprendiz
www.cidadeescolaaprendiz.org.br/

Escola Viva

http://www.escolaviva.com.br/

Documentário “Quando sinto que já sei”:

Filme de Antonio Lovato fala sobre panorama brasileiro, destacando exemplos bem-sucedidos de escolas que fugiram do modelo tradicional e apostaram em nova relação entre alunos.

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