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‘Pessimismo não pode nos deixar ficar inertes’; leia papo do Metro com Nando Reis

Conversamos com o artista sobre a gravação do seu novo single, lives, shows em drive-in, pandemia e um pouco mais

A primavera chegou, no último dia 22, passando batida para muita gente, nessa nova noção de tempo distorcida da pandemia. Ainda bem que temos Nando Reis para lembrar, nos presenteando com “Espera a Primavera”, seu primeiro single autoral em dois anos.

Em tempos difíceis, ele sabe como trazer alento. Com guitarra de 12 cordas por Lulu Santos, participação de Céu e um time de músicos, a canção passa uma mensagem para um amanhã mais ensolarado.

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Por essas e outras, não dá para perder a conversa com Nando Reis e João Marcello Bôscoli, nesta quinta-feira (1º), às 20h, sobre os bastidores da MPB, no Instagram do Teatro Bradesco, dando início a uma série de lives do espaço cultural com artistas como Negra Li e Vitor Kley. Mas, espera aí… Antes desse encontro, o Metro Jornal bateu um papo com o músico. Se liga:

“Espera a Primavera” teve de ser gravada remotamente. Você já tinha feito algo parecido antes?
Eu nunca tinha feito nada radicalmente ou integralmente remoto, como essa gravação. Esse fator por si só foi uma experiência absolutamente distinta de tudo que eu já havia feito na vida, mas trouxe um elemento inusitado e, de alguma maneira, apropriado, já que a música fala do distanciamento, o desejo de reencontrar. Havia na gravação uma perceptível felicidade pelo reencontro, mesmo que não presencial. Reencontro com a atividade, com o propósito da profissão, daquilo que a gente mais gosta de fazer. Todo mundo que toca tem o maior tesão em gravar. Eu adoro gravar, por mim gravaria muito mais.

Como foram pensadas as parcerias?
As parcerias não são tão surpreendentes, posto que muitos dos músicos já trabalharam comigo. As novidades são fulgurantes na figura do Lulu, um artista que eu tenho uma admiração enorme, temos uma amizade. E eu sempre digo – eu fiz a música a partir de um riff imaginando uma guitarra de 12 cordas que fosse tocada pelo Lulu Santos. A música começa da forma como ela foi concebida, com sua primeira ideia. A Céu eu conheci com mais proximidade, pessoalmente, porque ela é casada com o Pupillo, que produziu essa faixa junto comigo e com o [Felipe] Cambraia. Talvez o mais inusitado seja a presença do Chris Robinson, do Black Crowes. Ele também está lá com violão.

O processo de produção da música muda?
Muda muito, porque, em geral, faço todo mundo na mesma sala, ou grande parte, porque é costumeiro que as gravações por exteriores, “overdubs”, sejam feitas depois. Desde a era digital, isso é muito mais simples de ser feito. A mudança se dá porque, não estando juntos, o grau de interferências, de troca, acaba sendo muito menor. Ou seja, é muito mais lento e, em determinado momento, essa lentidão determina uma espécie de “então, é assim”. Até pelo que a música diz, essa visão particular sobre o sentido, a forma como pensava o arranjo, achei que cabia ele ficar no presente e deixá-lo, porque a música fala das diferenças, da pluralidade. O arranjo é bastante representativo do que a música diz.

O single tem um teor otimista, num momento em que há muita negatividade. Por que você ressaltou essa mensagem positiva?
A positividade é propositiva, no sentido de que o pessimismo não pode nos deixar ficar inertes. E a música é bastante crítica – ela é otimista, mas não é negacionista sobre o que está acontecendo nesse país por conta desse governo inepto, retrógrado, destruidor. Ela reflete também meu estado de espírito naquele momento, da alegria de gravar, da esperança de encontrar pessoas que compreendam e se unam na defesa daquilo que está sendo roubado e destruído. O Brasil caminha numa marcha acelerada para um retrocesso, talvez encontrar sua primeira Idade Média – no caso do Brasil, uma idade medíocre.

Nessa pandemia, você fez mais de uma live. O que achou da experiência?
As lives se tornaram a saída possível de encontro, mas especialmente de trabalho. A primeira delas foi estranhíssima e, no fim das contas, trabalhar, a gente trabalha com o que tem. Não é diferente de qualquer profissão, você faz o que você consegue. A penúltima, com a Duda Beat, foi emocionante, porque foi a primeira vez que subi em palco com mais pessoas. Ao longo das lives, fui me entendendo melhor com o formato. Mas fiz shows de drive-in, que foram diferentes, de alguma maneira melhores, mais próximos. É a vida, bicho. A gente vai fazendo o que dá para fazer e tentando extrair o melhor da realidade, já que tem sido tão dura e cruel.

Conte mais sobre os shows em drive-in…
O primeiro deles foi muito estranho também. Os primeiros 20 minutos eu estava quase que em pânico, tocando num estádio de futebol, diante de carros, sem ver ninguém, só com o meu violão. Parecia coisa de ficção científica. As buzinas sendo usadas como aplauso… Buzina, até aquele momento, era a coisa mais irritante. E ali tem outra conotação, ou seja, isso também é emblemático, de como é uma experiência transformadora, como as coisas passam a ter outros significados. E como a criatividade é o contraponto à mediocridade. A mediocridade é você não conseguir entender e ver as coisas de um modo diferente, estabelecer relações, só se repetir ou se recusar às experimentações. São graças às experimentações que a humanidade evoluiu. A gente vê o contrário, tudo que anda sendo feito no Brasil é repetir experiências desastrosas. Mas nada se compara com um show, a plateia ali.

Como foi para você quando a pandemia começou?
Num primeiro momento, não dimensionei a extensão nem mesmo a gravidade, porque não dava para saber o que estaria por vir. Até porque o que assistimos nos primeiros meses foi tenebroso, do ponto de vista da condução. Me lembro daqueles pronunciamentos desse débil mental que é o nosso presidente, terríveis. Aquilo foi um momento de muita angústia, raiva. Eu tinha um ano de agenda preenchida, todos os fins de semana, shows marcados até maio de 2021. Então, foi duro, porque vivo disso, não vivo da “mamata”, como os idiotas ficam difamando. Está sendo. Eu tenho uma equipe numerosa de pessoas que trabalham comigo, que dependeriam dessa agenda. Foi um negócio dramático, está sendo.


*Supervisão: Wilson Dell’Isola

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