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O fascinante mundo das celebridades do Instagram que não existem no mundo real

Em abril do ano passado, a imagem de uma desconhecida modelo no Instagram desencadeou uma busca global por sua identidade; mas quem ou o que era a misteriosa Shudu?

Em abril do ano passado, a imagem de uma desconhecida modelo no Instagram desencadeou uma busca global por sua identidade. Com sua pele negra sem qualquer imperfeição e suas pernas longilíneas, ela imediatamente atraiu milhares de seguidores. Mas quem era a misteriosa Shudu?

A modelo Fatou Suri, que vive em Londres, é uma das que seguem Shudu no Instagram. Chegou, inclusive, a enviar-lhe uma mensagem privada. Shudu respondeu seguindo-a de volta, e aparentava ser amigável e acessível. «Estou sempre buscando pessoas inspiradoras para seguir», diz Fatou. «Foi inspirador ver uma modelo de pele negra sendo celebrada de tal forma. Ela representava alguém incrivelmente linda, perfeita de corpo e alma», acrescenta.

No início deste ano, Fenty Beauty – a marca de maquiagens da cantora pop Rihanna – postou uma imagem de Shudu usando um batom laranja. A foto viralizou. Em abril, Shudu já tinha quase 90 mil seguidores no Instagram.

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Mas, então, a verdade veio à tona, graças a uma reportagem na revista americana Harper’s Bazaar: Shudu não era de carne e osso. Trata-se de uma criação gerada por computador do fotógrafo britânico Cameron-James Wilson.

Wilson alega que nunca quis enganar ninguém – ele descreve Shudu como «uma obra de arte» e a vê como uma celebração «virtual» da beleza da mulher negra.

O fotógrafo diz ter passado por um «conflito» sobre como representá-la, se de forma real ou virtual. À medida que mais pessoas começaram a segui-la, Shudu tornou-se rapidamente uma influenciadora – um fenômeno social que se provou uma plataforma lucrativa e poderosa, especialmente na visão das marcas de moda, para alcançar novos mercados.

Isso estava acontecendo a despeito das intenções artísticas de Wilson.

Ele decidiu, então, dar transparência a seu projeto e contar a verdadeira história.

«Ficava muito ansioso quando recebia as mensagens e honestamente não podia esperar o dia em que todo mundo soubesse da verdade», diz.

Quando descobriu a verdade sobre Shudu, Fatou ficou chocada, depois um pouco desiludida. «Foi uma sensação estranha», diz ela. «Senti como se não soubesse nada sobre ela e queria lhe fazer mais perguntas.»

No entanto, Fatou decidiu continuar seguindo os posts de Shudu por seu valor estético. Mas agora, quando recebia uma mensagem dela, sabia que estava conversando com Wilson.

«Como modelo, minhas fotos são melhoradas no computador. Às vezes, minha aparência chegava a mudar completamente; então é algo parecido», diz ela. «Obviamente, Shudu é muito perfeita. Fico um pouco feliz em saber que ela não é real!».

Influência virtual

Shudu está sendo chamada de a primeira supermodelo digital do mundo, mas ela não é a única influenciadora virtual.

Uma conta no Instagram chamada @lilmiquela retrata uma jovem com sardas, lábios carnudos e cabelos escuros. Em várias de suas fotos, ela aparece com roupas de marcas caras, como Prada e Chanel. Seu empresário diz que «ela só conseguiu ganhar dinheiro projetando e trabalhando em coleções com marcas».

Em fevereiro, a revista Vogue a chamou de «It Girl fictícia». Mas para seus 872 mil seguidores, o que faz de Miquela mais do que apenas um manequim virtual é sua história. No ano passado, ela lançou um single, Not Mine, um dos mais tocados no serviço de streaming de música Spotify.

Miquela também usa sua plataforma para apoiar causas sociais como Black Lives Matter e uma organização chamada Black Girls Code, que oferece aulas de tecnologia para meninas. Tudo isso tende a confundir ainda mais as fronteiras entre o mundo real e virtual nas quais ela parece habitar.

Os comentários no seu Instagram refletem que há um certo grau de confusão entre seguidores sobre ela ser real ou não. Sua identidade permanece um grande mistério.

Aproveitei e pedi uma entrevista com ela. Miquela concordou. Ao me responder por email, ela – ou quem está por trás de seu perfil – disse: «Parece uma ideia superlegal!»

A entrevista foi conduzida virtualmente, com seu agente e empresário também incluídos na conversa. Uma pista: um deles pertencia a uma empresa chamada Brud, que se descreve como «um grupo sediado em Los Angeles que oferece soluções para problemas em robótica, inteligência artificial e suas aplicações para empresas de mídia».

Fiz perguntas que, no meu ver, seriam estratégias para tentar descobrir se ela era real ou virtual, como «Como você criou sua identidade?» ou «O que você acha de celebridades virtuais?».

À primeira, ela começou respondendo «provavelmente como você! Ainda estou aprendendo e sendo moldada pelo ambiente a meu redor». À segunda, dizendo achar que «a maioria das celebridades na cultura popular são virtuais!». «Tem sido triste ver desinformação e memes distorcendo nossa democracia, mas acho que isso mostra o poder do ‘virtual’. O ‘virtual’ molda nossa realidade e é por isso que estou tão interessada em usar espaços virtuais como o Instagram para promover mudanças positivas.»

Evidentemente, Miquela – ou quem quer que estivesse falando – não deu nenhuma pista sobre sua real identidade. Mas isso não parece incomodar seus seguidores. Um de seus fãs mais fervorosos é Anthony Reyes, um artista de 18 anos de Michigan.

«Fiquei fascinado por Miquela não apenas por sua estética artística, mas por seu ativismo», diz ele. «Miquela é Miquela, não importa se ela é real ou virtual. As pessoas tentaram desacreditá-la devido à maneira como ela se apresenta, mas elas estão perdendo o foco. Apesar de ganhar muitos seguidores, Miq continua sendo alguém que se preocupa com eles», acrescenta.

Mas e a possibilidade de ela ser uma personagem virtual? «Na realidade, todo influenciador digital não é uma personagem virtual?», insiste Reyes. «Você só sabe que eles existem por causa de uma plataforma digital, seja no Instagram, YouTube, Twitter etc.»

‘Questão filosófica’

Seguidores como Reyes parecem estar dispostos a aceitar o conceito de influência como valioso, independentemente de a plataforma ser real ou virtual. E isso, obviamente, levanta uma questão filosófica, especialmente quando se trata de mídias sociais.

Parte do fascínio por influenciadores celebridades ou não-celebridades vem do fato de que o público em geral pode, supostamente, ter acesso à vida real de alguém que admira ou em que está interessado. Mas, quando se trata de mídias sociais, até que ponto mostramos a nossos seguidores a verdadeira realidade de nossas vidas?

«Se você pensar em mídias sociais, o Instagram não é você. É apenas uma versão digital de você, uma versão que mostra fotografias, às vezes vídeos e comentários sobre coisas específicas», diz Justin Rezvani, fundador e ex-CEO da TheAmplify, uma agência de marketing que associa marcas a influenciadores.

Rezvani, escolhido pela revista americana Forbes como um dos 30 maiores visionários com menos de 30 anos, diz acreditar que a era do influenciador social apenas começou e vai continuar a dominar mais espaços virtuais. «Vamos ter AIs (sigla em inglês para Inteligência Artificial) que são influenciadores com milhares de seguidores que não são pessoas reais», diz ele. «A maneira como defino influência é como alguém (ou algo) troca atenção por um público específico em um momento específico.»

Arquétipos antigos

Além disso, o conceito de influenciadores virtuais como Shudu e Miquela está enraizado em um arquétipo muito mais antigo – a boneca, de acordo com Toby Miller, diretor do Instituto de Indústrias de Mídia e Criatividade da Universidade de Loughborough, em Londres.

Desde os tempos antigos, os bonecos têm desempenhado um papel importante para a sociedade, não apenas como brinquedos infantis, mas também por seu poder simbólico em rituais mágicos ou religiosos.

«As bonecas são um meio de capturar quem somos e transmiti-lo de forma representativa aos jovens», diz Miller. «Elas vão além de imagens e palavras, e em três dimensões. São maleáveis, podem ser manuseadas até pelas pessoa mais jovens.»

Wilson, que usou um programa de computador para dar vida a Shudu, descreve sua criação em termos semelhantes. «Penso nela como uma espécie de manequim. Depois de criá-la, pode fazê-la posar e dar a ela expressão», diz. «É como ter uma boneca; uma Barbie para vestir.»

Para marcas de moda, um manequim de alta tecnologia oferece uma extensa gama de possibilidades, podendo aparecer em qualquer situação e com qualquer roupa. Wilson já recebeu diversas propostas, incluindo uma de uma marca que queria que Shudu posasse com seus brincos.

Outras propostas são mais difíceis de concretizar. Tameka Small – uma profissional de estética e proprietária do Hands Dayspa em Wilmington, na Carolina do Norte, questionou se não valeria a pena promover seus produtos para beleza com Shodu. Afinal, ela tinha a pele perfeita. Mas então descobriu que Shudu não era real.

«Decidi que enviaria os produtos, mesmo que, tecnicamente, ela não pudesse usá-los», diz Small. Ela e Wilson estão pensando sobre como colaborar. «Acho que o fato de ela ser uma supermodelo digital traz uma nova dimensão ao modo como a empresa pode comercializar seus produtos. É uma ideia muito legal», diz.

Mas alguns profissionais de marketing ainda não estão convencidos.

«Acho que há oportunidades para as marcas comercializarem produtos, mas também que isso será mais superficial do que o que se vê com uma pessoa real», diz Giordano Contestabile, CEO da Bloglovin, uma empresa que conecta marcas a influenciadores relevantes e se foca em influenciadores com até 500 mil seguidores».

«O aspecto humano do marketing de influência é a chave para entender isso. Não sei como você pode replicar isso», diz ele. Fazer com que alguém o siga no Instagram é fácil, argumenta. Mas conseguir que alguém se identifique com você e crie uma conexão emocional é um desafio diferente. Em outras palavras, não dá para fingir».

À medida que as criações virtuais se tornam mais convincentes, especialistas alertam que a distinção entre o verdadeiro e falso ficará cada vez mais difícil. Isso poderia representar um problema? Os psicólogos demonstraram que a incerteza sobre ser humano ou inanimado cria um efeito emocional peculiar, algo que se aplica ao mundo dos influenciadores virtuais. Um comentário recente sobre um dos posts Miquela resume esse pensamento: «Obviamente, é uma coisa falsa, mas a pessoa por trás dela é real, então seja gentil com ela».

  1. Leia a versão original desta matéria (em inglês) no site da BBC Capital
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