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O guarda-chuva do Vladimir

Eu e bilhões de pessoas estávamos diante da TV assistindo à final da Copa e, depois do êxito francês, esperando a premiação dos jogadores e das equipes, quando caiu no estádio aquela tempestade repentina. Foi um pé d’água de respeito. Achei extremamente poético – muitos rituais humanos têm nas águas um símbolo poderoso de purificação, de glorificação, de reverência. Não obstante as excepcionais catástrofes, chuvas são consideradas bênçãos – quem padece numa terra seca que o diga. Isso por um lado.

Por outro lado, um desconforto crescente perturbou meu senso poético na medida em que o céu vinha abaixo. Isso porque um único homem passava incólume pelo desconforto da intempérie, mas não um homem qualquer: Vladimir. Sobre ele, e das mãos de um (suponho) guarda-costas, um imenso guarda-chuva negro pairava no ar, salvando a calva sublime de toda gota inoportuna. Quando o ensopamento coletivo já estava completo, apareceram outros guarda-chuvas (menores) em socorro das demais autoridades perfiladas, dentre elas os também presidentes Emmanuel e Kolinda. E nela eu queria chegar (sem segundas interpretações, por favor).

Correndo o risco de ser (novamente) acusado de machismo benevolente, conceito detrator para homens ditos “cavalheiros”, por mim, o único guarda-chuva deveria ser aberto sobre a única mulher entre as autoridades. Comentei espantado com a esposa sobre a indelicadeza do guarda-costas e ela arrematou, certeira: a iniciativa para isso deveria partir do enxuto Vladimir, jamais de seu preposto. Aliás, pensando naquela Rússia mais clichê, preterir o mandatário por iniciativa própria seria bem desaconselhável ao funcionário.

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Mas, não. O que vi, o que vimos, foi um líder tão sereno quanto despreocupado com quem estava ao redor. Nem se abalou com o que acontecia pois sequer olhava para os lados (e isso jamais será desculpa, já que o toró impacta todos os nossos sentidos). Sabe a expressão “passou pela chuva sem se molhar”? No caso, foi literalmente. Triste ver grandes homens se apequenarem nos detalhes.

Perto do Vladimir, sou um João Ninguém. Talvez menor do que uma pulga. Invisível. Ainda assim, tiro meu casaco em favor de uma dama, interponho-me diante do risco de agressão e, claro, tomo tanta chuva quanto for necessário para preservar seu conforto. E isso não é mérito: é obrigação. Está na mesma categoria de ser honesto, delicado, trabalhador. Sei lá. O guarda-chuva sobre Kolinda me deixaria mais seguro pensando nos acervos nucleares.

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