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Nossos julgamentos

Outro dia chamei um desses carros de aplicativo que por questões éticas não vou nominar. Cada vez mais estamos nos habituando a usar essa comodidade do cotidiano, serviço que concorre com os táxis não porque são melhores ou mais baratos, mas porque são mais acessíveis e não dependem da sorte de cruzar com um deles quando se precisa ou de conhecer o ponto mais próximo.

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Não estou aqui para avaliar o serviço por suas implicações legais, a justiça ou a injustiça de sua implantação, que fique bem claro. Poucos instantes depois chegou o veículo solicitado: um desses sedãs pequenos, pintado de um improvável verde-cana opaco, dirigido por um sujeito com cara de poucos amigos, bermuda estilo “o morto era mais gordo” e camisa da grife “Agostinho Carrara”.

É evidente que gosto e moda cada um tem o seu ou segue a que melhor lhe aprouver, mas o modo de vestir das pessoas é, desde tempos imemoriais, a primeira imagem que se forma na nossa retina e duvido que alguém ache normal ir a um escritório de um advogado ou ao consultório médico e ser atendido por um profissional de roupão de banho ou de sunga. Passo seguinte, o interior do carro: bancos manchados, areia nos tapetes, cheiro de “cachorro molhado”, uma música enjoada e alta, no console alguns pedaços de papel misturados àquelas indefectíveis balinhas de iogurte que o sujeito oferece como se fossem uma espécie de lanche de bordo da Emirates: melhor seria não tê-las em um carro mais limpo. 

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Terminado o percurso — sem qualquer incidente ou dissabor, ressalto – agradeci pelo serviço ao mesmo tempo que recebia uma comunicação de débito e o pedido de avaliação… Por curiosidade busquei conhecer as avaliações anteriores que aquele prestador havia recebido e fiquei estarrecido ao notar que ele ostentava uma média de 4,8 estrelas, num máximo de cinco possíveis.

As únicas duas avaliações menores que 4 estrelas (que para mim significam “bom” numa escala que vai de “péssimo” até “muito bom”) reclamavam apenas da pontualidade, o que me fez crer que mesmo esses parcialmente insatisfeitos, fora o tempo perdido que os fez menos complacentes, adoraram as demais condições do serviço pelo qual pagaram. Sem maiores delongas e nenhuma relação com o preço, poucas vezes vislumbrei retrato tão verossímil da sociedade brasileira.

Os serviços públicos e muitos dos privados são péssimos e caros em nosso país, mas somos tímidos em nossas reclamações. Nossos representantes políticos são, em grande parte, desqualificados e desonestos, nossa gasolina é péssima e cara, nossas estradas indignas desse nome, nossas universidades formam hordas de analfabetos, nossos hospitais públicos matam mais que curam. Mas continuamos distribuindo estrelinhas com generosidade a cada dois anos, e reclamando do resultado de alguns julgamentos na Justiça.

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