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Guaíba visto de binóculo

Comecei esta série de crônicas pedindo – ou melhor, implorando – para que os porto-alegrenses levem suas crianças ao Centro Histórico para, enfim, restaurar um amor possível. Ninguém se apega ao que é estranho, desconhecido, ameaçador. E nossa cidade, outrora acolhedora, encastelou-se paulatinamente a partir de meados dos anos 1980. Os reflexos disso foram menos sentidos por minha geração: ao mesmo tempo em que frequentávamos os recém-nascidos shopping centers, também lotávamos o Café Concerto Majestic na Casa de Cultura Mario Quintana para escutar jazz, por exemplo. Porém, na cruzada do século, comecei a ouvir das pessoas frases como “este ano não fui ao Centro nem mesmo uma vez” com assustadora frequência. Era o sinal de alerta…

De fato, aos poucos o alegre porto que recebeu os casais de açorianos passou a ser visto apenas de binóculo. Se antes havia a denúncia de que a cidade estava de costas para as águas, agora ela trilhava seus passos cada vez mais para longe das margens. Depois de o primeiro muro ser erguido (o Muro da Mauá), outras tantas paredes, muros e grades aprisionaram os habitantes a salvo de fantasmas – tivessem eles o nome de enchente ou violência. Como profecias capazes de se garantir, os habitantes isolaram as calçadas por medo, e as calçadas vazias tornaram-se perigosas; o espaço público perdia seu frequentador mais exigente por estar degradado, e degradava-se por ter perdido seu frequentador mais exigente.

Tudo isso, somado a administrações sofríveis, resultou naquilo que chamo de “a cidade mais desperdiçada do Brasil”. Temos lindos morros sem mirantes, museus fechados, bairros tradicionais em decadência, memória arquitetônica ameaçada, transporte público deficiente, vida noturna conflitada, praças e mobiliário urbano malcuidados, cidadãos com medo da própria sombra. E no Centro Histórico, por ele ainda ser nossa mais pura essência, o quadro ganha contornos dramáticos. Quem conhece Barcelona, Buenos Aires e Montevidéu reconhece o potencial de qualidade de vida que nós porto-alegrenses poderíamos usufruir, e chora.

Mesmo assim, e apesar de tudo, odiaria concluir que não temos jeito, solução, esperança; que o bom é habitar feudos inatingíveis e comprar veículos blindados para circular na selva de concreto. Muito ao contrário: sonho com a reconciliação do presente com o passado acontecendo no brevíssimo futuro. A solução está no modo com que cada um pode contribuir, sem jamais terceirizar as responsabilidades. Mas já não há espaço: fica para a próxima semana, aqui mesmo no Metro.

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