Há quem sustente que a maior ferramenta evolutiva da raça humana é a linguagem verbal: palavras faladas ou escritas como meio de comunicação. Se assim o é, a sinonímia, que consiste no emprego de termos distintos para exprimir a mesma coisa, é o “graal” dessa arte, uma espécie de esgrima gramatical onde raros são os “Zorros” e abundantes os garçons de churrascaria.
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Todos nós que cultivamos o vernáculo temos, com ele, o vernáculo, uma obrigação: protegê-lo do câncer do mau uso. E para isso não nos basta corrigir uma criança, um amigo, um funcionário no emprego errado de verbos ou sintaxes. É necessário mais. Não é correto, por exemplo, empregar o termo “prudência” para definir um funcionário público que deixa de cumprir seu dever de ofício e alivia, por interesse ou má-fé, uma empresa que destrói o meio ambiente: isso se denomina prevaricação. Não é adequado chamar de generoso um diretor de banco público que autoriza um empréstimo sem garantias a um empresário falido: ele é corrupto. Erra quem apelida de versátil quem prega uma coisa e age de modo antagônico: é hipócrita.
O uso de palavras erradas para definir fatos ou ações humanas, quando somado ao eufemismo (uma figura de linguagem que emprega termos mais agradáveis para suavizar uma expressão: “vovó virou estrelinha”), eleva ao infinito a desonestidade intelectual do comunicador. Dizer “estamos avaliando com cautela o impacto no meio ambiente” para explicar a omissão criminosa em vez de “estamos enrolando a sociedade porque temos que proteger interesses maiores” é tão nefasto quanto o próprio crime ambiental em si. É como declarar que “juros de 500% ao ano são muito altos e merecem ser revistos” para mascarar “essa extorsão praticada pelos bancos demanda alguém corajoso e honesto para enfrentá-la”.
Somos educados desde crianças em nos limitarmos a responder, e de modo acanhado, perguntas que nos são dirigidas. Esse código social nos oprime enquanto pessoas livres e cidadãos conscientes porque salvo covardes, ignorantes ou interessados, situações estapafúrdias ou que agridem nossa dignidade impõem reação à altura, no mínimo capazes de deixar clara nossa insatisfação. Todavia parece que estamos cada vez mais tolhidos pelo “politicamente correto”, expressão que define com precisão o acovardamento que está se infiltrando no caráter do brasileiro.
A língua portuguesa, como tantas outras, é bela e poderosa como ferramenta de expressão, mas por si só não tem o condão de resolver ou inverter ações humanas: são as figuras de linguagem, a entonação, o emprego correto das palavras e tantos outros recursos linguísticos e gramaticais, usados com correção e honestidade, que fazem a diferença entre o registro histórico e cultural de um povo, de seus valores e princípios, e o registro arqueológico de um bando de macacos frenéticos. É questão de tempo.