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Cidadãos, atletas, suspeitos

jorge1 -nascimento colunista“Eu me tornei suspeito profissional, bacharel pós-graduado em tomar geral”, os versos do REP dos Racionais Mc’s evidenciam, com sabedoria de poesia popular, o que se passa com jovens negros, principalmente os que são ou parecem ser moradores de favela e periferia. No livro “Elite da tropa”, que originou o filme “Tropa de elite”, o personagem-narrador, um policial negro, afirma que escolhe seletivamente quem vai ser revistado na blitz do ônibus, e não será o playboyzinho branco que vai para o curso de inglês, mas o neguinho de bermuda, boné e chinelo. Então é assim, seu estilo e a cor da sua pele são indicadores de que você é um criminoso em potencial. A suspeição que recai sobre o jovem negro tem raízes na própria formação senhorial da sociedade brasileira, o escravagismo, para ser implementado e perpetuado como modelo econômico, tinha de ser amparado, então se dizia que os negros eram preguiçosos, ladinos, malandros, que não possuíam alma e que, portanto, podiam ser tratados como animais. Com a ausência histórica de políticas públicas para os mais pobres, inclua-se aí o grande contingente de negros e mestiços herdeiros do infortúnio escravocrata, esse pensamento sobreviveu escamoteado. Porém sobrevivemos também, e muitos de nós, quando nos são dadas as mínimas oportunidades, somos artistas, professores, médicos, atletas, trabalhadores nas mais diversas áreas de atuação. Somos cidadãos. Mas muito há que se fazer, educação pública, gratuita e de qualidade é o pilar máximo que devemos solidificar para criarmos condições mínimas de acesso ao conhecimento e à busca da cidadania. Mas, será que é isso que a sociedade brasileira quer e almeja? Pois as cotas nas universidades públicas incomodam, os programas sociais, ainda poucos e incipientes, estão sendo desmontados. Vimos nas Olimpíadas atletas negros, vindos das classes menos favorecidas, competindo e ganhando medalhas graças a um acordo entre o Ministério dos Esportes e o Ministério da Defesa, uma dentre muitas possibilidades para o seu crescimento, como atletas e cidadãos. Temos que investir nesses brasileiros, senão os pretos e pobres estarão sempre com a marca da suspeição nas costas, estigma dos castigos dos velhos senhores. E pior, cada vez mais, alguns desses suspeitos em potencial sairão de seus guetos e, armados de ferro e ódio, aterrorizarão ainda mais a nossa vida nessas nossas cidades excludentes e partidas.

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* Os textos publicados neste espaço são de responsabilidade do autor

Jorge Nascimento é doutor pela UFRJ,   professor do Departamento de Línguas e Letras da Ufes e escreve quinzenalmente neste espaço 

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