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Estupros, massacres e sacrifícios

jorge1 -nascimento colunistaFalei, noutro dia, sobre ditadura e tortura. Hoje, continuando, vem a palavra estupro, que até como palavra é feia, difícil de falar e de escrever, e é muito mais difícil descrever ato tão violento. Estupro é tortura física e psicológica, no sentido em que não há acordo, mas invasão do outro corpo, submissão egoísta. Estupro é estigma, pois representa, como a palavra grega indica, uma marca permanente, algo que se torna indelével, mancha que é quase tatuagem. A palavra e, logicamente, o ato, tem base na violência, possui parentesco com o verbo violar. Sabemos que tal prática, infelizmente, tem sido constante nas formas de opressão da mulher ao longo da história, quando soldados invadiam – e invadem – cidades, um dos troféus é o corpo das mulheres dos vencidos. E as mulheres, até hoje, têm de conviver com o medo dessa forma específica de crime, o que, consequentemente, fere um direito básico: o direito de ir e vir.

Fala-se, com a publicidade do caso do estupro coletivo da moça no Rio de Janeiro, em novas leis, em mudanças na legislação. Tudo bem, mas o que se há de fazer é chamar as mulheres, elas que devem apresentar propostas, pensar saídas, rever processos educacionais que, muitas vezes, incitam, ainda que inconscientemente, à prática de atos dilacerantes como esse. Fala-se da cultura do estupro, inclusive peças publicitárias, principalmente ensaios fotográficos, criam esse clima, com belos rapazes e moças amordaçadas ou sujeitadas pelo macho viril. A cultura machista começa em casa, passa pela escola, se reúne na esquina, se torna adulta nos bares e nas faculdades, cresce e é tida como afirmação de um grupo sobre outro. Não sei se, como homem, tenho o direito de falar sobre o assunto. Não sou mulher, não sou psicólogo, jurista ou ativista do feminismo. Mas sou pai, professor, convivo com mulheres, tento, na medida de minha capacidade e muitos defeitos, aprender a me colocar do outro lado, embora saiba, como diz o samba, que o dono da dor sabe quanto dói. Mas não podia me furtar a escrever sobre o assunto, pois a violência, seja ela de gênero, raça ou o quer que seja, no nosso caso, é algo que deve ser visto como sintoma de uma sociedade colonizada que foi construída, como diria Eduardo Galeano, sobre massacres e sacrifícios. E as mulheres, desde sempre, foram as vítimas preferenciais das violações físicas e simbólicas que nos (des) estruturaram enquanto nação.

* Os textos publicados neste espaço são de responsabilidade do autor

Jorge Nascimento é doutor pela UFRJ,   professor do Departamento de Línguas e Letras da Ufes e escreve quinzenalmente neste espaço 

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