Num dado momento da última campanha eleitoral, Marina Silva fez boa leitura de nossa história recente. Disse algo mais ou menos assim: “Fernando Henrique foi importante porque nos trouxe o equilíbrio econômico. Lula foi importante porque tratou das questões sociais.” Ela complementava falando sobre como seria o seu governo, conciliando as duas vertentes. Isso é menos importante, orque Marina não conseguiu os votos suficientes para ir ao segundo turno. O governo Temer teve início (e, tudo indica, só terminará em 2018) pressionado pela crise econômica aguda e pelas críticas ao seu Ministério, branco, elitista e sem mulheres. Mais: a equipe de Temer tem ministros citados e envolvidos na Lava Jato. E isso, por si só, já desqualificaria as escolhas do presidente interino.
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Mas… Onde o discurso de Marina e a administração de Temer se encontram? No fato de os governos não conseguirem atacar todas as questões ao mesmo tempo. Elas surgem e são atacadas em ciclos. Que ninguém se engane: Temer pode até manter os programas sociais adotados nos últimos anos, O Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida devem passar por uma triagem, mas serão mantidos. E só. Os programas sociais não serão ampliados, nem áreas como Cultura e Educação terão verbas e estruturas ampliadas, como deveria acontecer num Estado capaz de dar à Cultura e à Educação a importância merecidas. Temer sabe (ou deveria saber): seu foco tem de ser a economia. O desarranjo provocando pelas administrações de Lula e Dilma foi tão absurdamente pesado que o governo federal corre o risco de chegar ao final do ano na mesma situação de alguns estados: sem condições de pagar nem mesmo o salário do funcionalismo.
Sob esse aspecto, Michel Temer se aproxima de Lula. O ex-presidente tinha em Henrique Meirelles o nome para conduzir a área econômica do governo Dilma. Tucano, Meirelles teve papel fundamental no sucesso do governo Lula. Ele tentou emplacá-lo várias vezes na equipe de sua sucessora. Não conseguiu. Hoje, Lula fala de Meirelles entre lamentos e temores. Lamenta o fato de Dilma não ter seguido o seu conselho. E teme a possibilidade de o ministro brilhar no comando de Economia. Se isso ocorrer, será a pá de cal nas pretensões do PT voltar ao poder, tanto ao final dos 180 dias de afastamento de Dilma quanto nas eleições de 2018.
Fora do campo político, existe o mundo prático. E ele aponta para um período, senão de exclusão, pelo menos de redução de importância das áreas sociais. Porque se o governo não conseguir o mínimo para sobreviver, não haverá como manter a base dos programas sociais. Mais ou menos como em uma casa onde a falta de dinheiro leva à opção entre comprar alimentos ou livros. Livros são importantes, mas alimentos são fundamentais. Só nos resta acreditar que seja esta só uma fase. Outras se sucederão, como bem relatou Marina Silva a respeito de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva…
Antonio Carlos Leite é jornalista há 28 anos. É diretor de Redação do Metro, diretor de Jornalismo da Sá Comunicação e escreve a cada 15 dias neste espaço.