Uma cena: no centro das atenções, alguém relata verdadeira epopeia, rica em detalhes sórdidos quando, do nada, um riso impaciente sobressai na assistência. Uma risada falsa como nota de R$ 3. Cheia de segundas e terceiras intenções. A ela, segue o alerta: meu velho, não te faz! Pode ter acontecido de o “velho” em questão ter ultrapassado o limite do bom senso, da lógica, da decência. Foi longe demais. Sinal de alerta: ou ele se redime, contemporizando, ou corre o risco de ser desacreditado. Se o “amigo” contar o que sabe – e o protagonista sabe que ele sabe –, as máscaras caem. Para o bom entendedor, meio desmentido bastará.
Nem mesmo as melhores bênçãos escapam da fatídica lei da adaga e seus dois gumes. É o caso de ter muitos, antigos e próximos amigos, por exemplo. Ao passarmos momentos inesquecíveis por eles acompanhados, compartilhamos vivências e findamos por estabelecer íntima cumplicidade. Então, no severo tribunal do porvir, tanto seremos absolvidos quanto condenados por quem testemunhou nossa história. A eles, especialmente, não deveríamos ousar a ilusão. Ainda assim, vira e mexe, tentamos.
Pensava sobre isso sábado, voltando para casa depois de um ensaio do quarteto jazzístico que há décadas migrou para o patamar de família não consanguínea. Num papo, com essa mesma risada irônica, todos se ameaçaram: cada um tem dos outros um paiol de informações. Ali ninguém pode “se fazer” no mole, sob pena de quebrar o armistício. Depois, mesmo sem eu desejar, veio à memória a imagem dos corredores de Brasília. No staff de representantes, quase nenhum está em primeiro mandato. Logo, são velhos companheiros. Na medida em que ganham protagonismo televisivo, olho seus jogos e dou risada. A data do meu Título de Eleitor já carrega pouca paciência com tanto cinismo. Se voto fosse por escrito, escreveria: agora chega, não te faz!
Rubem Penz é escritor, músico, publicitário, baterista e compositor. Autor de “Enquanto Tempo” e coordenador da oficina literária Santa Sede crônicas de botequim. Seu site é rubempenz.net