Sabe-se lá por qual razão, eis que o curioso bicho não tem esse comportamento na natureza, nos acostumamos com a ideia de que o avestruz, diante de qualquer tipo de perigo, enfia a cabeça no chão para fugir. Como esse hábito por certo provocaria a extinção das referidas aves, não se pode dar crédito à essa história mas a analogia com comportamentos do nosso cotidiano é perfeita: sobram avestruzes entre nós.
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A economia está derretendo por conta da incompetência aliada à inconfiabilidade de nossos gestores? Escândalos pipocam à cada edição do noticiário? Mandatários e seus antecessores engordam seu patrimônio à custa de desvio de verba pública, propina, achaques? Bom, esses assuntos só geram discussões infundadas e acirram ânimos, muitas vezes destruindo amizades antigas, portanto melhor deixá-los para quem tem paciência ou vocação para política!
O ar, as praias, rios estão cada dia mais poluídos? Destroem-se vidas, ecossistemas inteiros? Que as autoridades competentes se virem para resolver, porque são eleitas ou pagas para isso! A violência avança cada dia mais sobre famílias, crianças, minorias, preconceitos grassam de todas as formas e em todos os níveis? Chame-se a polícia, que tem treinamento e armas para enfrentar esse estado de coisas! Como o habitat de nosso personagem-referência é a savana africana, também desse ambiente vêm as táticas mais usadas pelas manadas diante de ameaças: a fuga desesperada estilo “cada um cuida de si”, o sacrifício de alguns animais mais velhos em troca da segurança do grupo, a reunião de indivíduos em um círculo apertado para demonstrar força ao inimigo.
Muitos de nós também agimos assim. A fuga, como o suposto hábito do avestruz, é de todos o campeão dos mecanismos de proteção: sair do alcance do predador correndo o mais rápido possível, mesmo com risco de perder-se da manada. Oferecer os mais velhos e doentes à sanha do inimigo é um instrumento da evolução, mas, na natureza, os bichos que assim se comportam o fazem por instinto, não pelo interesse de continuar seu intento à custa do sacrifício de quem não se preparou para o pior. Reunir-se em um círculo, se demonstra coesão do grupo, pode também significar a ruína de todos, quando a estratégia e o campo de luta são há muito conhecidos do adversário.
Seja qual for a ameaça e a forma escolhida para lidar com ela, o conhecimento do meio no qual se vive, das rotas e procedimentos adequados e das qualidades próprias e do oponente, ainda que seja a natureza em si mesma, não combinam com o tal hábito de enfiar a cabeça no buraco ao primeiro alarme o que, num contexto maior, termina cobrando um preço altíssimo, produto da soma da omissão, da covardia, do descaso e da falta de compromisso.
Gustavo Varella Cabral é advogado, professor, especializado em Direito Empresarial e mestre em Direito Constitucional.