Faz 21 anos que nossa família viveu um episódio dramático: meu primo Guilherme, no auge de seus 22, nos deixou naquela tarde fria em uma rede de pesca no litoral gaúcho. Tão logo tocou o telefone lá em casa, bateu o desespero na minha mãe, que chorou durante dias, semanas. Este tipo de coisa deveria ser proibido pelas leis da natureza, mas não é. Foi tão marcante que meu pai e meu tio, que não se davam há uns quinze anos, se abraçaram a chorar.
Quase um ano depois desta tragédia, estávamos eu, a mãe e uma amiga da família em nossa casa na praia de Xangrilá. Era um belíssimo dia de sol no inverno. A praia estava quase deserta e uma leve brisa fazia a dança das copas das árvores. Após o almoço, fomos para a varanda. Nos recostamos na rede e nas cadeiras e começamos a falar da vida e a lembrar do Guilherme. Meu primo era um baita surfista, talvez a menor das qualidades, porque também era inteligente, leal, amigo, dedicado, gente boa. Um ser humano diferenciado. As amigas e amigos lotaram o enterro. Ninguém acreditava. A vida não deveria punir a todos desta forma. E nós, ali na varanda da casa da praia, continuamos falando do Guilherme…
De repente, um estouro na cozinha! Corri lá e encontrei um copo estilhaçado em mil pedaços. Um frio percorreu meu corpo. Emudecemos todos. Após o impacto, varremos tudo, juntamos os cacos. Depois, ainda incrédulos, voltamos para a varanda. Lembro que nos olhávamos, falávamos algumas coisas e voltávamos a silenciar. Aquilo tinha mexido conosco. Oramos. Pedimos a Deus e aos anjos que protegessem e iluminassem o Guilherme. Quando terminamos a oração, voltamos a falar dele, a relembrar.
Em seguida, um outro estouro! Aquele barulho de vidro estilhaçado nos calou em definitivo. Senti de imediato um arrepio. Corri novamente para a cozinha e lá, por mais inacreditável que possa parecer, um segundo copo tinha estourado. Seus pedaços estavam por tudo. Encolhi os ombros. Mordi o lábio olhando para o chão. Eu não conseguia crer naquilo…
Hoje tenho 43 anos e o Guilherme regulava comigo de idade. Minha certeza é que ele está muito bem, surfando nas ondas do universo. Sinto isso. A história dos copos ficou muito tempo guardada, até que chegou o momento de dividi-la. Acabou sendo um pretexto para eu falar do Guilherme, o que realmente importa. O Guilherme merece ser lembrado. Ele faz uma falta danada.
Diego Casagrande é jornalista profissional diplomado desde 1993. Apresenta os programas BandNews Porto Alegre 1a Edição, às 9h, e Rádio Livre, na Rádio Bandeirantes FM 94,9 e AM 640