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Ideais apodrecidos

Gustavo Varella CabralNuma época em que o convite para Joelma posar nua ocupa o mesmo espaço numa discussão que desastres políticos, econômicos e ambientais, é preciso puxar o freio de mão da vida, sentar num cantinho tranquilo e refletir sobre o rumo que nós estamos tomando como sociedade. Não que eu acredite que o conflito na Síria levará o mundo ao holocausto nuclear ou que a lama que desce pelo Rio Doce envenenará os dois hemisférios do planeta, mas nosso tempo de vida é curto para nos permitirmos partir sem ao menos tentarmos alterar o curso das coisas que nos afetam. O que é que estamos permitindo que seja sedimentado na cabeça da garotada como valor cultural, ético, ideal de sociedade ou paradigma de desenvolvimento? É aceitável que um jovem alcance o status de 13ª fortuna do Brasil tendo escalado sua pilha de ouro comprando favores, projetos de lei, decisões judiciais, decretos? Atividade econômica que destrói um rio, envenena e mata compensa os impostos dela decorrentes? Um ideal político explica a montanha de dinheiro roubado ou corrompido usado para sua exaltação? Um mandato político justifica a encenação ou o embuste usados na sua conquista? Desde cedo ouvimos que nada ensina mais do que o exemplo e aprendemos a observar o que as pessoas que se projetam no nosso grupo social, escola, trabalho, família fazem ou fizeram para atingir o patamar de respeito que desfrutam. Desde tempos imemoriais o ser humano mede coisas como espaço, tempo, volume por meio de sistemas de medidas aceitos pelo seu grupo, tribo ou nação, mas mede o outro pela sua própria régua de valores. A pressa em garantir um lugar no palco está atropelando as mudas de dignidade que ainda teimam em aparecer no caminho de nossas vidas, e estamos caminhando a passos largos para aquele momento em que só nos damos conta dos peixes que povoam um rio quando os vemos boiando na correnteza suja. O jeitinho, a mutreta, o “faz-me rir” estão virando paradigmas de sucesso, de construção de carreiras e imagens públicas. De outro lado, é cada dia mais comum assistir gente traindo confiança e fraudando compromissos assumidos na velocidade do “farinha pouca, meu pirão primeiro”, com a desculpa de que a oportunidade impôs, ou desdizendo o que apalavrou em nome da conveniência de momento. Essa degradação moral, esse esgarçamento ético não produzem só a contaminação das coisas postas, existentes, mas, principalmente, matam o germe de generosidade e honestidade de propósitos nas gerações por vir.  E tudo se amontoa e se iguala num lamaçal estéril.

Gustavo Varella Cabral é advogado, professor, especializado  em Direito Empresarial e mestre em Direito Constitucional.

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