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Tolerância

antonio-carlos leite colunista Corria o ano da graça de 1999. Fernando Henrique havia sido reeleito, mas mal havia chegado ao primeiro semestre do primeiro ano de seu segundo mandato. Munida de uma série de denúncias de corrupção contra o governo, a oposição se reuniu em São Paulo. Estava dividida no tamanho da dose, mas o remédio para o país, apontava, era a saída do presidente. “Nós queremos a renúncia!”, vociferava Brizola no seu estilo caudilhesco. José Dirceu queria sangrar o presidente, com mais manifestações de rua. Lula era contra as duas ideias. Desejava o impeachment: “Renúncia é um gesto de grandeza, e FHC não tem essa grandeza”.

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Como se sabe, Fernando Henrique não caiu. Mas não faltou pressão. Nem protestos. Assim como já havia ocorrido com Sarney, durante meses ele foi recebido com gritos de “Fora FHC” onde pisasse. Se eram justos ou não, isso é uma outra história. Importante é notar algo: recém-saído da renúncia forçada de um presidente, o país não estranhou. Os políticos, lógico, se engalfinhavam, se acusavam, se ofendiam. Mas era dado como certa a liberdade absoluta de manifestação. E a oposição, PT à frente, se manifestava. Suportávamos mais as diferenças, algumas delas resolvidas em tornos de mesas de bar. E éramos mais democráticos, talvez porque as gerações daquela época ainda trazia nos ouvidos o zumbido metálico do regime militar e havia tomado lições exuberantes de autonomia e liberdade, com as Diretas Já, a redemocratização e o impeachment de Collor.

Democracia implica em respeito ao outro. Parece simples, mas não é. O Outro pode pensar de forma diferente, nem por isso seu pensamento será inferior, ou ingênuo, ou manipulado. E nem por isso ele é inimigo a ser derrotado. As classes sociais têm direito de se fazer ouvir. E essa regra vale para os trabalhadores sofridos e a “elite branca”. Porque quando é para valer, na hora do voto, a democracia os nivela. Democracia implica em coerência. Um partido pode pedir o impeachment de um presidente quando está na oposição, mas está sujeito a sofrer a mesma pressão quando está no poder – e não é muito justificável esse partido e seus aliados posarem de vítimas, como se fossem alvo de uma conspiração cósmica e planetária contra seu governo redentor. Democracia implica, enfim, em aceitar diferenças, e não a imposição de uma só ideia, mesmo quando essa ideia saiu vitoriosa das urnas. Democracia rima, mas não combina com hegemonia. Ao contrário, é o regime das divergências, exigindo, por isso, o exercício diário e constante da tolerância, qualidade tão necessária quanto esquecida nesses nossos duros e pesados dias…

Antonio Carlos Leite é jornalista há 26 anos. É diretor de Redação do Metro, diretor de Jornalismo da Sá Comunicação e escreve às sextas-feiras neste espaço.

 

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