A reocupação de favelas como Rocinha e complexo do Alemão – ou que nome se queira dar à reorganização da política de pacificação – abre a possibilidade de corrigir uma falha grave há décadas encravada nas relações da sociedade civil com os responsáveis pela segurança: só no Brasil – e principalmente nas maiores capitais – a morte de um agente da lei por criminosos é tratada com a mais pálida indiferença.
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Pelo mundo, à exceção de conflitos pontuais, a polícia é percebida como instrumento de proteção a serviço da sociedade que a emprega. A morte, então, de um desses homens em serviço é recebida como golpe violento contra o conjunto das pessoas de bem, um crime capaz de levar o luto à cidade inteira. No Rio, no entanto, os mais de 100 policiais assassinados apenas este ano tiveram nada além do pesar dos que lhe eram próximos e as lágrimas das famílias atingidas pelas perdas.
Não pode ser aceito como normal que policiais morram apenas porque seu trabalho envolve esse risco, já que estão no combate ao crime e de cada lado dessa atividade existe alguém com uma arma na mão. É razoável, porém, imaginar que algo na maneira como essa tarefa é executada concorre para a tragédia. A começar pelo confronto com criminosos – prática comum à PM carioca – que certamente não é o melhor método para tirar o mal das ruas.
Só isso, no entanto, não justificaria a indiferença da população em relação ao destino de seus policiais. Afinal, como qualquer trabalhador, policiais têm famílias, filhos e contas para pagar no fim do mês. Mas, ao contrário dos demais, arrastam um longo contencioso que talvez explique a permanente animosidade da população em relação à força que encarrega de manter a ordem.
Não se explica apenas por isso, mas talvez comece pela facilidade e frequência com que policiais violam as leis que são pagos para fazer cumprir. Nos exemplos mais comuns, como avanços de sinal ou estacionamento sobre faixas de pedestres, policiais costumam tratar os civis que lhes pagam os salários como inferiores. Pior ainda se o infeliz se sentir incomodado e fizer alguma observação sobre a falta. Só por muita sorte não será levado à delegacia, acusado de desacato.
Pode-se creditar esse comportamento, que não fica só nas trivialidades, como provam as mortes de Amarildo e de Patrícia Amieiro, à herança da ditadura. Mas a democracia voltou há 30 anos. Tantas gerações depois a PM já teve tempo para escoimar a lama que a tornou uma corporação prepotente. Mais um motivo para, na oportunidade de renovar os fundamentos da pacificação, incluir uma refundação da Polícia Militar que afaste o medo e lhe devolva o respeito da população.
O jornalista Xico Vargas mantém a coluna ‘Conversa Carioca’, de segunda à sexta-feira, no jornal ‘BandNews Rio 2a edição’, além da coluna ‘Ponte Aérea’ em xicovargas.uol.com.br.