Entrei na máquina do tempo que tenho em casa e viajei para entrevistar dois heróis italianos. Volta e meia faço as malas e embarco. Ela já me levou a emocionantes episódios na história. Desta vez fui à Itália, em 1992. Homens admiráveis me esperavam: Giovanni Falcone e Paolo Borsellino, dois juízes que travavam uma incessante luta contra a máfia. Desde as revelações de Tommaso Buscetta, preso no Brasil, mais de 300 mafiosos foram parar na cadeia. A Cosa Nostra os tinha jurado de morte.
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Fui recebido fraternalmente. O local secreto escolhido por eles era uma pequena casa de pedra em Capaci, próximo de Palermo, capital da Sicília. O dia estava lindo, primaveril. Os pássaros cantavam, felizes, contrastando com o assunto proposto, a máfia. Em volta da casa havia uns dez policiais federais fortemente armados.
Entre uma e outra taça de vinho marsala, beliscamos bolinhos de arroz doce, trufas e queijo caccio cavalo. Nosso encontro fluiu com uma naturalidade pouco comum quando fãs encontram seus ídolos. Eu estava diante de dois homens incorruptíveis, duas fortalezas morais. Emocionante.
Na pequena sala, perguntei a Borsellino se a Itália resistiria aos tentáculos da máfia, espalhados por tudo, desde o policial de rua até senadores e juízes da Suprema Corte. O magistrado, de feições indígenas, enrolou a ponta do bigode pressionando o polegar contra o indicador. E repetiu seu mantra: “O Estado e a máfia são duas potências que ocupam o mesmo território. Ou se vai para a guerra, ou se faz um acordo”. Mas o acordo, segundo ele, jamais ocorreria. Isso seria o fim do Estado. “Temos de enfrentar. E isso significa fazer cumprir as leis e a Constituição”. Fiquei orgulhoso. Perguntei quanto tempo duraria esta guerra. Falcone respondeu: “Os homens vêm e vão, ideias permanecem. As tensões morais permanecem e continuam a andar sobre as pernas de outros homens.” E o medo? “Quem tem medo morre todos os dias. Quem não tem, morre uma vez só”, disse Borsellino. Nos despedimos. Eles seguiram em carros distintos.
Horas mais tarde, a estrada por onde Falcone passava foi dinamitada. Ele tinha 53 anos. Quase dois meses após, um carro bomba ceifaria a vida de Borsellino aos 52. A história ensina. No Brasil, a personificação do combate ao crime agora se chama Sérgio Moro, juiz federal que está fazendo a Operação Lava-Jato. Este homem tem que ser protegido. Nós também temos heróis.
Diego Casagrande é jornalista profissional diplomado desde 1993. Apresenta os programas BandNews Porto Alegre 1a Edição, às 9h, e Ciranda da Cidade, na Band AM 640, às 14h. Escreve no Metro Jornal de Porto Alegre