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1950, o ano que terminará em 2014!

leonardo-meneghettiNasci 16 anos depois da Copa de 1950. E não escapei de ser contagiado pela comoção brasileira. Não aguento mais ver aquele gol de Ghiggia chutando num canto improvável. A imagem de Barbosa, de joelhos, tentando reerguer-se, o que jamais conseguiu por toda vida, não sai da minha cabeça. Aquele jogo já deve estar 800 a 1, tantas foram as vezes que a cena se repetiu. Escutei dezenas de histórias de meu avô e do meu pai a respeito daquele momento. Discuti com amigos, li revistas e jornais. Vi filmes e entrevistei o próprio Ghiggia sobre o lance. E, em Montevidéu, em 1994, conheci um simpático Juan Schiaffino, autor do primeiro gol, aliás, o mais bonito do jogo.

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De Schiaffino, que jogava mais que Ghiggia, ouvi um inesquecível relato, enquanto conversávamos sentados numa mureta da sua casa, no bairro de Pocitos, de frente para o rio da Prata, numa manhã ensolarada e fria. “Aquele jogo foi o momento mais feliz de minha vida. E o mais triste também. Nós, jogadores uruguaios, nos olhávamos e não sabíamos o que fazer. Os brasileiros estavam chocados nas arquibancadas. Era uma angústia imensa. Ficamos comovidos.” Ele concluiu a frase com seus pequenos olhos verdes encharcados. O rosto retangular, com rugas e marcas denunciando a chegada dos 70 anos, tinha um olhar perdido, distante. Procurava na memória as imagens de 44 anos atrás. Schiaffino não precisou me dizer mais nada. Bastou seu silêncio, a cabeça balançando lentamente, e sua expressão. Despedimo-nos. Emocionados.

Minha primeira recordação de Copa do Mundo não é propriamente de futebol. Vem de um domingo frio, em 1970. Meu pai estourava foguetes. Estava eufórico pelo tri. E eu assustado com o barulho. Muitos anos depois, a TV Bandeirantes nos brindou com o tape de todas as partidas da Copa do México. E então percebi que estávamos diante do maior mundial de todos os tempos. E da melhor de nossas seleções.

Depois, em 1974, vi a Laranja Mecânica de Cruyff amassar o Brasil e parar apenas na anfitriã Alemanha. Em 1978, vi o Peru se render aos pesos da ditadura militar argentina. Hoje eles não teriam dinheiro nem para comprar um gandula peruano. Em 82, vi a jugular de Falcão saltar de seu pescoço, enquanto a voz de Luciano do Valle saltava de sua garganta e invadia minha casa. Gritamos juntos. E choramos, minutos depois, com Paolo Rossi.

Em 86, vi Zico, frio por recém ter ingressado em campo, desperdiçar um pênalti para que em seguida a França nos tirasse da Copa. E então, já a trabalho na Argentina, em 1990, chorei sem derramar lágrimas quando Caniggia fez 1 a 0, nos sacando da Copa da Itália. Cumpri a missão de observar a festa deles. Quem entrega uma seleção a Lazaroni não pode lamentar.

Emocionei-me com a fibra de Dunga e o talento de Romário, quando comemoramos o tetra, em 1994. Vi, na Champs Elysées, em 1998, a merecida festa dos franceses que, num coro de “Zizou, Zizou”, celebravam o craque Zidane pelas ruas de Paris. Tive orgulho de Felipão e seus comandados em 2002. Veio o penta sobrando futebol. Desesperei-me com Roberto Carlos ajeitando a meia, em 2006. “Não, a França de novo, não”, pensei. E lamentei o projeto de Dunga não ter sido exitoso, na África, em 2010.

Não conseguiremos reescrever história trágicas. A dor da Kiss será eterna. O JJ-3054 da TAM também. Não riscaremos do calendário o 11 de setembro. Não esquecermos o tsunami. Nem as dores e perdas pessoais que todos nós já tivemos. Então que pelo menos o futebol, às vezes lúdico, reescreva uma história. Que o Maracanazo fique como lenda. Que Barbosa descanse em paz. Que nossa memória de uma Copa do Mundo no Brasil seja referente a 2014, quando conquistamos o hexa. E que, quando se falar em Copa do Mundo do Brasil, meus filhos possam dizer: “Sim, lembro. Era um tal de Felipão, bigodudo, o técnico e o Fred fez o gol do título. Naquela época vivíamos num país cheio de desigualdades, inseguro e de saúde precária e ainda havia uma praga no mundo chamada, como é mesmo o nome… acho que é racismo”.

Jornalista esportivo desde 1986, Leonardo Meneghetti foi repórter de rádio, TV e jornal e está no Grupo Bandeirantes desde 1994. Foi coordenador de esportes, diretor de jornalismo, e, desde 2005, é o diretor-geral da Band-RS. Diariamente, às 13h, comanda “Os Donos da Bola”, na Band TV.

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