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O controverso “Experimento de Aprisionamento de Stanford”, interrompido após sair do controle

Estudo conduzido pelo professor de Psicologia Social Philip Zimbardo em 1971 deveria se estender por duas semanas, mas não passou de seis dias.

Esse é um dos experimentos sociais mais famosos da história, contado tantas vezes que alguns o consideram um mito.

Talvez você já tenha escutado: um professor universitário de Psicologia recruta um grupo de estudantes e lhes pede que imaginem que estão em uma prisão. Designa alguns como guardas e outros como detentos.

Em poucos dias, os «carcereiros» se tornam sádicos e abusam de tal forma dos presos que o experimento precisa ser interrompido.

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Isso aconteceu de verdade, em 1971, e não foi em qualquer lugar, mas em uma das melhores universidades dos Estados Unidos – Stanford, na Califórnia.

A ‘inspiração’

As raízes do experimento estão ligadas a um outro controverso experimento realizado uma década antes em outra famosa universidade americana, Yale.

Conhecido como «Experiência de Milgram», por ter sido conduzido pelo psicólogo Yale Stanley Milgram, ele tinha como objetivo analisar o nível de obediência das pessoas à autoridade.

Sua inspiração, por sua vez, foram os julgamentos de nazistas acusados de crimes de guerra no Tribunal de Nuremberg. A maioria deles havia baseado sua defesa na alegação de que estavam apenas «cumprindo ordens» de seus superiores.

Milgram queria verificar até que ponto um ser humano «bom» era capaz de fazer o mal a outro por uma questão de obediência.

Seu experimento gerou ainda maior polêmica porque ele mentiu aos participantes, dizendo-lhes que aquele era um estudo sobre memória e aprendizagem.

O cientista dividiu 40 voluntários em dois grupos aleatórios: a um disse que seriam professores, e aos outros, que seriam estudantes.

Em seguida, levou os «estudantes» para outra sala e pediu aos «professores» que colocassem à prova a memória de seus «alunos».

O pesquisador os instruiu a castigar aqueles que errassem com choques elétricos. A máquina que utilizariam emitia descargas que íam de 50 a 450 volts. A potência máxima vinha acompanhada de uma inscrição que dizia «Perigo: choque severo».

Cerca de dois terços dos «educadores» utilizaram voltagem máxima do medidor em algum momento e todos chegaram à marca de 300 volts.

O aparelho, contudo, não chegava a dar choques, e os gritos que os «professores» escutavam vindo da sala vizinha eram, na verdade, gravações.

A prisão de Stanford

Uma década mais tarde, um professor de Psicologia Social da Universidade de Stanford chamado Philip Zimbardo quis levar o experimento de Milgram um passo adiante e analisar o quão tênue é a linha que separa o bem do mal.

Ele se perguntava se uma pessoa «boa» poderia mudar sua forma de ser a depender do seu entorno.

Afixou então um comunicado nas paredes da universidade oferecendo US$ 15 por dia a voluntários que estivessem dispostas a passar duas semanas em uma prisão falsa.

O estudo foi financiado pelo governo, que queria entender as origens dos conflitos no sistema penitenciário americano.

Zimbardo selecionou 24 estudantes, a maioria branca e de classe média, os separou em dois grupos, dando-lhes aleatoriamente o papel de guardas e de prisioneiros, e pediu que voltassem para casa.

O experimento de fato começou de forma brutal: policiais de verdade, que haviam aceitado participar do projeto, foram à residência dos «prisioneiros» e os detiveram, acusando-lhes de roubo.

Eles foram algemados e levados à delegacia, onde foram fichados e transportados, com os olhos vendados, a um suposto presídio local – mas que na verdade era o sótão do Departamento de Psicologia de Stanford, que havia sido transformado, de forma bastante realista, em uma prisão.

Os voluntários foram obrigados então a tirar a roupa, foram inspecionados, desinfectados, receberam remédio contra piolhos e tiveram de vestir um uniforme que consistia em uma camiseta larga com um número (e sem qualquer outra peça por baixo), sandálias de borracha e um gorro do náilon feito com meia-calça feminina.

Aqueles que tinham o papel de guardas puseram no tornozelo dos detentos um cadeado pesado.

O que aconteceria na sequência seria tão chocante que inspiraria três filmes (um alemão, em 2001, e dois em Hollywood, em 2010 e 2015), além de diversos livros e artigos.

Sadismo

Logo no início do experimento, os «guardas» começaram a apresentar condutas abusivas que, em pouco tempo, se tornaram sádicas.

Instruídos a não provocar lesões físicas nos presos, os carcereiros fizeram com eles todo tipo de violência psicológica.

Identificavam os detentos pelos números, por exemplo, para evitar chamá-los pelo nome, enviavam-nos constantemente à solitária, faziam-nos tirar a roupa, obrigavam-nos a fazer flexões, a dormir no chão, colocavam sacos de papel em suas cabeças e obrigavam-nos a fazer suas necessidades em baldes.

«No dia em que chegaram, aquilo era uma pequena prisão instalada em um sótão com celas falsas. No segundo dia, era um presídio de verdade, criado na mente de cada prisioneiro, de cada guarda e das outras pessoas envolvidas», contou Zimbardo à BBC em 2011, quando o experimento completou 40 anos.

Vários dos presos começaram a apresentar problemas emocionais.

«Uma das práticas mais eficientes (dos guardas para mexer com os prisioneiros) era interromper o sono, uma técnica de tortura conhecida» disse à BBC em 2011 Clay Ramsey, um dos prisioneiros.

Ainda assim, apenas alguns poucos estudantes pediram para abandonar o estudo antes de ele ser de fato interrompido.

Dave Eshleman, um dos jovens que desempenhava papel de carcereiro, lembra que encarou o experimento como uma espécie exercício de teatro.

«No primeiro dia não aconteceu quase nada, foi um pouco entediante. Então decidi interpretar o papel de um carcereiro bastante cruel», contou.

O chamado «Experimento de Aprisionamento de Stanford» atingiu níveis tão altos de perversidade que teve de ser suspenso menos de uma semana depois de começar.

O estudo durou apenas seis dias, mas o tempo foi suficiente para que Zimbardo concluísse que o entorno tem, sim, influência sobre a conduta humana e que colocar pessoas «boas» em lugares ruins pode fazer com que elas ajam como pessoas ruins ou que se resignem a ser maltratadas.

A teoria – encarada, em última instância, como a constatação de que todos somos sádicos ou masoquistas em potencial – foi bastante contestada com o passar dos anos,

O principal questionamento foi ao papel do próprio Zimbardo, que durante o experimento atuou como «diretor» do presídio e teria aconselhado os guardas sobre como se comportarem e estimulado as condutas abusivas.

Apesar da controvérsia, contudo, Zimbardo, que ganhou notoriedade e hoje é considerado um grande nome em sua área de atuação, segue defendendo seu experimento como uma contribuição muito valiosa à Psicologia, que teria servido para que entendêssemos fenômenos como os abusos cometidos na prisão iraquiana de Abu Ghraib.

«O experimento nos mostra que a natureza humana não está totalmente sujeita ao livre arbítrio, como gostamos de pensar, mas que a maioria de nós pode ser seduzida a se comportar de maneira totalmente atípica em relação ao que acreditamos que somos», disse à BBC.


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