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Oscar 2018: Guillermo del Toro, o mexicano fã de monstros consagrado com a estatueta de melhor diretor

Travesso e divertido – assim o descrevem os amigos de adolescência do diretor Guillermo Del Toro. A BBC foi ao México para descobrir mais sobre a vida do diretor mexicano ganhador do Oscar de melhor diretor e melho filme em 2018.

Quando tinha dez anos, o diretor Guillermo del Toro se escondeu dentro do armário para assustar sua irmã mais nova.

Ele esperou durante uma hora com a cara pintada, uma roupa preta e grandes presas de plástico – iguais às dos vampiros que ele via no cinema.

O susto que sua irmã tomou foi enorme, mas não tão grande quanto a bronca de sua mãe, Guadalupe Gómez.

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A história mostra como o gosto do diretor mexicano por monstros e histórias fantásticas vem desde a infância. Foi essa paixão que possibilitou que hoje, aos 53 anos, levasse às telas o filme A Forma da Água, que ganhou quatro dos 13 Oscars a que concorreu.

O longa levou os troféus de melhor filme e melhor direção, para Del Toro, além de direção de arte e trilha sonora.

Mas a torcida para que o filme ficasse com todas as 13 estatuetas era grande – principalmente no México.

Para Del Toro, no entanto, isso não parecia importar tanto. Há alguns anos, em entrevista à BBC, o diretor nascido em Guadalajara disse que a fama não é algo que o motive.

"Nunca fiz um filme parar ganhar Oscar, ser nomeado ou emplacar um blockbuster", disse ele. "Sempre faço os filme que quero, pelos motivos que quero."

O início

Del Toro sempre teve essa liberdade.

Seu pai, Federico del Toro, conta que, quando o filho era adolescente, ele o convidou para ajudar a tocar os negócios da família – uma rede de lojas de carros.

"Mas ele não estava interessado. Ele me pediu para deixá-lo fazer o que gostava. Então eu não insisti", afirma.

E o que o jovem Del Toro queria era desenhar, criar monstros com massa de modelar e gravar vídeos. Aos 13, ele fez seu primeiro filme do colégio onde estudava, o Instituto de Ciências de Guadalajara.

Seu professor, Daniel Varela Acosta, emprestou a primeira câmera que o diretor usou na vida.

"Era um plano sequência", conta ele. "Aparecia uma mão cheia de um líquido viscoso verde saindo do banheiro."

A mão era do próprio Del Toro, que segurava a câmara com a outra.

A filmagem durava 8 minutos e se chamava Pesadilla 1 (Pesadelo 1). Apresentada no festival de talentos da escola, o curta foi muito elogiado – o colégio inclusive guardou uma cópia do original, gravado em uma câmera de 8 milímetros.

"Carrillero" número um

Foi assim que Del Toro começou no cinema. Em seguida, ele fez um curta metragem chamado Matilde e estrelado por sua mãe, Guadalupe.

Ela foi também a atriz principal de outro filme, Dona Lupe, sobre uma mulher que alugava uma casa velha para uma dupla de homens supostamente criminosos.

Segundo seu professor de ginásio Varela Acosta, os pais foram fundamentais para a carreira do cineasta.

"Ele teve muito apoio dos pais, que o deixaram seguir sua vocação. Sua mãe é uma mulher muito criativa. Foi dela que veio seu lado artístico", afirma.

Também o influenciou sua paixão por quadrinhos, filmes de terror e animações.

Além disso, contribuíram seu bom humor e sua avidez por conhecimento. "Ele queria aprender tudo o que estava na sua frente", recorda o professor.

Seus ex-colegas de classe se lembram de um menino divertido e travesso.

"Tudo era uma piada. Ele costumava fazer piadas pesadas e dar apelidos. Ninguém escapava", disse um colega ao jornal Reforma.

No anuário da turma em que Del Toro se formou no colégio, há uma curta descrição do cineasta: "Guillermo del Toro Gómez, ‘Toro’, ‘Torito’ ou ‘Memo’ – um ator inato e com talento natural para comédia: o melhor escultor da escola e um entusiasta que promoveu o cinema entre seus colegas de classe."

Humor negro

Sua vida na escola deixou uma marca notável em seus filmes: o humor negro que caracteriza seus personagens.

No ensino médio, ele o colocava em prática frequentemente com um de seus melhores amigos, Rigoberto Mora – que foi também seu sócio na primeira empresa que Del Toro criou, a Necropsia, especializada em efeitos especiais.

"Compartilhavam um humor negro, obscuro", conta Rodolfo Guzmán, amigo e colaborador do cineasta.

"Esse humor negro é visível em seus filmes. Quando trabalhávamos juntos, às vezes tínhamos que parar de trabalhar de tanto que ríamos com algum comentário que ele fazia", diz Guzmán.

Na Necropsia, criada no fim dos anos 1980, a especialidade eram efeitos especiais para programas de TV e filmes. Alguns dos trabalhos eram feitos com máscaras de látex – demoravam e eram monótonos.

Para não ficarem entediados, os amigos cantavam paródias de músicas antigas.

Quando explicava aos amigos o que era o cinema, Del Toro descrevia como um sanduíche de esterco.

"Dependendo do caso há mais ou menos pão para morder, mas você sempre chega na merda", lembra Guzmán.

A piada era uma maneira de o diretor mexicano explicar a perseverança que é necessária para sobreviver na indústria do cinema – coisa que ele conheceu de perto.

"Aconteceu até mesmo com A Forma da Água, porque o orçamento era pequeno e havia muito trabalho a ser feito."

Os verdadeiros monstros

E de onde veio a paixão do cineasta por monstros e histórias fantásticas?

Segundo Daniel Varela, é uma influência do cinema mexicano dos anos 1960, quando havia muitos filmes de lutadores de luta livre que enfrentavam invasores alienígenas, vampiros e lobisomens.

Um dos atores dessa época era El Santo, o luchador mais famoso do México. Além de derrotar os monstros, ele resgatava donzelas em perigo que usavam biquínis, minissaias e vestidinhos.

Mas a paixão do cineasta por monstros também foi resultado de dois hobbies: ele lia muitos quadrinhos e livros de Stephen King e assistia a séries de televisão japonesas cheias de monstros gigantes.

Um dos programas mais populares entre os adolescentes da cidade do diretor nos anos 1970 e 1980 era a série Vingadores do Espaço, em que o herói lutava contra um alienígena que queria dominar a Terra.

Na entrevista que deu à BBC, Guillermo del Toro contou que, quando era muito novo, costumava sonhar que estava acordado. "E nesses momentos eu sempre via monstros."

Em um desses sonhos, ele fez um pacto: concordou que sempre escreveria sobre os monstros, com uma condição. "Pedi permissão para ir ao banheiro, porque estava muito assustado e não queria fazer xixi na cama", contou ele.

Funcionou. Os seres pararam de assustá-lo e se tornaram aliados – como o vampiro de seu filme de estreia, Cronos, o filho do diabo que salva o mundo em Hellboy ou o semideus anfíbio de A Forma da Água, que é aterrorizado com o tratamento cruel que recebe ao ser preso por humanos.

O verdadeiro conceito do que é o horror para o mexicano fica bem claro em seus filmes: os monstros são personagens estranhos, feios e bizarros, mas quase sempre inofensivos, que vivem para defender seu mundo.

Mas os homens e mulheres que os encontram cometem barbaridades, injustiças, tortura e humilhações – ou seja, para o cineasta mexicano apaixonado pelo mundo fantástico, os verdadeiros monstros muitas vezes são os seres humanos.

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